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		Este é o nosso blog de discussão 
		das lusofonias. 
		
		
		Iniciamos a discussão com uma frase de Machado de Assis:   
		
			"Língua 
			Portuguesa – é casta para os castos, como pode ser torpe para os 
			torpes" 
			Lusofonia: 
			nossa língua, nosso elo, nossa identidade 
			 
			Por Lucila Egydio 
			e Jussara Rocha 
			 
			A experiência da Raízes em Cabo Verde mostrou como é possível 
			ampliar conexões, afinidades culturais e históricas. Atuamos com o 
			desenvolvimento sustentável do turismo na Ilha de Santo Antão. E, em 
			um país do continente africano, pudemos contribuir grandemente com 
			expertises aplicadas a setores de desenvolvimento local. 
			 
			Isolados em uma América que habla español, nós brasileiros tendemos 
			a não lembrar que há no mundo outros lugares onde nossa língua é 
			falada em decorrência da mesma colonização. Em termos históricos, o 
			processo de formação do Império Colonial Português reuniu motivos de 
			ordem econômica, político-estratégica e também um forte intuito de 
			evangelização. Mas não se pode negar que havia também uma acentuada 
			curiosidade cultural e científica. 
			 
			Como resultado desse longo processo histórico, vivemos uma 
			identidade cultural partilhada por oito países. O elo é o passado. E 
			uma língua que foi sendo enriquecida nessa diversidade, mas que se 
			reconhece como una. 
			 
			Em oito países – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, 
			Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste – e regiões 
			(Goa, Damão e Diu, na Índia, e Macau, na China), somos uma 
			comunidade de cerca de duzentos e quarenta milhões de pessoas fazem 
			do idioma português uma das línguas mais faladas do mundo (ocupa o 
			oitavo lugar!). 
			 
			E afinal, o que é Lusofonia? 
			Esse processo deu origem ao conceito de “Lusofonia” ou de “Países 
			Lusófonos”. Conjunto das identidades culturais existentes nestes 
			países, esparramados em quatro continentes. 
			 
			As peculiaridades ficam por conta de a língua portuguesa ter herdado 
			nuances consideráveis na gramática, pronúncia e vocabulário. Isso 
			por estar presente em um vasto território, mas de maneira 
			descontínua. 
			 
			O que nos une 
			Viemos aqui para falar do que nos une. Uma revelação trazida pela 
			experiência da Raízes com um projeto de desenvolvimento sustentável 
			em Cabo Verde… 
			 
			Estar em outro país com raízes comuns nos mostra o quanto um 
			processo histórico e de trajetórias parecidas nos favorece. A 
			ancestralidade afro-lusitana comum traz de imediato uma sensação de 
			reconhecimento. A familiaridade se evidencia por termos o mesmo 
			porte, jeito, trato, feições, mescla de cores e tons de pele. 
			 
			Este elemento de união favoreceu de forma determinante a integração 
			das consultoras Raízes com os formandos e com as instituições 
			parceiras do projeto Rotas D’Aldeias Rurais de Santo Antão, o que 
			vamos definir aqui como “luso-afinidade”. Tão perto, tão longe… 
			 
			Um sentimento que vai aos poucos se transformando. Ainda mais em 
			trabalhos que transformam realidades muito parecidas. No nosso caso, 
			projetos de geração de renda e sustentabilidade no turismo, com 
			metodologias de cocriação e geração de conhecimento inovador, 
			ilustram bem a força e a possibilidade de resultados 
			transformadores. 
			 
			Por isso, estamos olhando além das fronteiras e nos aproximando de 
			parceiros que também têm sentido a mesma necessidade de alianças 
			estratégicas para o desenvolvimento sustentável. O apoio ao Portal 
			Muxima e a parceria com as Rotas Solidárias de Turismo em Portugal 
			são algumas delas. E outras estão por vir… 
			 
			Colaboração é a chave 
			O mundo lusófono está aprendendo a ser mais ativo na nova economia e 
			mais colaborativo entre si. Assim, rompendo a cada dia com as 
			barreiras da dependência dos países colonizadores, não somente sob o 
			ponto de vista da economia, mas principalmente pela reafirmação de 
			sua identidade. 
			 
			O Brasil pode e deve ser um aliado expressivo dos países de língua 
			portuguesa, em especial aqueles cuja ligação histórica está presente 
			nos fortes laços de formação do nosso povo. 
			 
			E para alcançar os objetivos de qualquer projeto comunitário a 
			empatia é essencial. Uma vez que a Raízes tem em sua essência o 
			desenvolvimento sustentável, humano, a inspiração e o empoderamento, 
			ter conexões comuns fortalece os vínculos criados e os resultados 
			obtidos em cada ação. 
			 
			Assim foi em Cabo Verde e temos certeza que será onde estivermos 
			nessa ligação lusófona! Desde que chegamos, tivemos a sensação de 
			estar em casa, o que fez de nosso engajamento com o desenvolvimento 
			local algo visceral e não simplesmente técnico. 
			 
			Do início ao fim, independente das diferenças, foi possível reforçar 
			essa proximidade histórica, nossa luso-afinidade, em prol das 
			trocas, do compartilhar, do crescimento mútuo. 
			 
			No presente temos tudo para estar mais perto. E que assim seja! 
			
			  
			
			'Os Lusíadas': a 
			obra que 'fundou' a língua portuguesa há 450 anos 
			
			  
			Pintura da nau de Vasco da Gama, feita no 
			século 19 por Ernesto Casanova CRÉDITO,DOMÍNIO  
			"As armas e os 
			barões assinalados,/ Que da ocidental praia Lusitana,/ Por mares 
			nunca de antes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em 
			perigos e guerras esforçados, / Mais do que prometia a força humana, 
			/ E entre gente remota edificaram/ Novo reino, que tanto 
			sublimaram." 
			Assim começa a obra que pode ser considerada a 
			certidão de nascimento da língua portuguesa. Publicada em 12 de 
			março de 1572, há 450 anos, a célebre criação do poeta Luís Vaz de 
			Camões (nascido provavelmente no ano de 1524 e morto provavelmente 
			em 1580) é formada por dez cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos, 
			todos em oitavas decassilábicas, sempre arranjados em um esquema 
			rímico fixo. 
			Trata-se do poema épico Os Lusíadas, que narra 
			a descoberta, pelo navegador português Vasco da Gama (1469-1524), da 
			rota marítima para a Índia — um marco nas relações comerciais e 
			exploratórias do século 15 e, de certa forma, a consolidação de um 
			momento historicamente relevante para Portugal. 
			Ao longo de seu texto, o poeta, que se dirige 
			ao rei Sebastião I (1554-1578), evoca episódios da história lusitana 
			de forma épica, sempre buscando glorificar o povo português. 
			Mas a grandeza de Os Lusíadas não se resume ao 
			engenhoso e esmerado formato adotado por Camões, nem pelo grande 
			número de versos, tampouco pelas próprias histórias de heroísmo ali 
			narradas. 
			Os Lusíadas se tornou um marco pelo uso da 
			língua portuguesa — na época chamada apenas de "linguagem", quase 
			como de modo pejorativo quando comparada ao jeito culto de se 
			expressar por escrito, ou seja, o latim. 
			E, protagonista e fruto de um momento histórico 
			de valorização de tais identidades, a obra é reconhecida como uma 
			espécie de literatura fundadora do idioma hoje oficialmente 
			praticado em Portugal e em outros oito países, inclusive o Brasil. 
			Doutor em estudos literários pela Universidade 
			Estadual Paulista (Unesp) e criador do canal no YouTube Elite da 
			Língua, o professor Emerson Calil Rossetti situa Os Lusíadas como "a 
			maioridade e a identidade poética da língua portuguesa". 
			"Constituem de fato uma referência para e sobre 
			a língua portuguesa. Não somente por ser uma obra-prima, o que é 
			hoje consensual, mas por ser a primeira produção do idioma que 
			alcança prestígio para além das fronteiras de Portugal ou dos países 
			lusófonos", argumenta ele. 
			"Camões captou com precisão o espírito da 
			Renascença, tomando como base as epopeias antigas e construindo seu 
			longo poema com soluções estéticas típicas da perfeição formal da 
			época mas a partir das possibilidades expressivas da nossa língua, 
			como jamais se havia visto", analisa Rossetti. 
			"É o caso, por exemplo, do ritmo bem marcado e 
			regular dos decassílabos heroicos e, num universo repleto de alusões 
			históricas, mitológicas e cristãs, as combinações de rimas que 
			caracterizarão, igualmente, as 1102 estrofes da epopeia." 
			Professora livre-docente da Universidade de São 
			Paulo (USP), onde é pesquisadora do Departamento de Letras Clássicas 
			e Vernáculas, a linguista Marcia Maria de Arruda Franco 
			contextualiza a obra como parte de um momento de "dignificação da 
			língua portuguesa como língua de cultura". 
			"Até o século 16, era muito raro que um autor 
			em Portugal escrevesse em português. E mesmo ao longo do século 16, 
			as línguas de cultura preferidas dos letrados, tanto os humanistas 
			puros que usavam o latim, como os impuros que usavam as línguas 
			vulgares, era o castelhano ou o latim em vez do português", 
			esclarece ela. 
			Franco lembra que esse movimento vinha sendo 
			experimentado por alguns escritores, como é o caso de Sá de Miranda 
			(nascido provavelmente em 1487 e morto em 1558), "que ousavam essa 
			aventura de descobrir o valor letrado da língua portuguesa, de 
			trabalhar sobre sua elocução, de escrever em português". 
			"Ao longo do século 16, vários vão levar a cabo 
			essa tarefa de escolher a língua portuguesa como língua de cultura. 
			Não só no discurso poético, mas também no discurso histórico. [O 
			idioma está presente] nos cronistas que escrevem sobre as grandes 
			descobertas, quando a língua portuguesa é a preferida", conta ela. 
			Vale ressaltar que já desde o reinado de Manuel 
			I (1469-1521), médicos portugueses eram obrigados a efetuar suas 
			prescrições em língua portuguesa. "Em 'linguagem', como eles diziam. 
			Naquela língua falada, que todo mundo entendia", comenta a 
			professora. 
			Era um período de ebulição acadêmica, na qual 
			os linguistas se propunham a entender e explicar a organização 
			daquilo que se falava. "Começa a surgir a filologia portuguesa, uma 
			série de gramáticas em defesa da língua portuguesa como língua de 
			cultura, e não mais apenas como 'linguagem'", contextualiza Franco. 
			"'Os Lusíadas' culminam esse processo, fazem com que esse processo 
			se consolide." 
			"Porque 'Os Lusíadas' são escritos em gênero 
			épico, sublime. Relaciona-se às épicas da cultura clássica 
			ocidental, da cultura antiga, que era modelizada pelos 
			renascentistas. 'Os Lusíadas' estão em linha direta com outras 
			épicas, de Homero [da Grécia Antiga] e de Virgilio [da Roma 
			Antiga]", diz a linguista. 
			Para o escritor Ênio César Moraes, professor de 
			língua portuguesa e assessor pedagógico do Colégio Presbiteriano 
			Mackenzie Brasília, a importância de Os Lusíadas pode ser dividida 
			entre os aspectos literário e histórico. 
			No primeiro quesito, o mérito recai sobre "o 
			fato de se tratar de uma epopeia, obra épica que, no plano 
			artístico-literária, põe Portugal ao lado de nações como Grécia e 
			Roma". Moraes observa que, não à toa, o próprio narrador do poema 
			"afirma, altaneiro": "Cessa tudo o que a Musa antiga canta/ Que 
			outro valor mais alto se alevanta". "[Está] enaltecendo a temática 
			da obra, em comparação às produções grega e romana", interpreta. 
			Já o segundo ponto está no fato de que o texto 
			de Camões é a "narrativa de grandes feitos do povo português, na 
			pessoa de Vasco da Gama, à época das grandes navegações". 
			"Virgílio [o poeta romano] é o grande 
			interlocutor de Camões. E com esse trabalho ['Os Lusíadas'], ele 
			engrandeceu o português e o consolidou como língua de cultura. Fez 
			isso graças ao seu trabalho de escrever com tropos, figuras, 
			imagens, um todo. Realizou um trabalho sobre a prosódia dos versos, 
			escolhendo os decassílabos, a oitava para urdir o seu poema, sua 
			épica… Trabalhou a elocução da língua portuguesa", complementa 
			Franco. 
			Shakespeare, Alighieri… 
			A obra garantiu a Camões o mesmo lugar na 
			língua portuguesa ocupado por William Shakespeare (1564-1616) no 
			inglês, Dante Alighieri (1265-1321) no italiano, François Rabelais 
			(1494-1553) no francês, e France Prešeren (1800-1849) no esloveno. 
			Em suma, cada língua considerada moderna tem no trabalho de um 
			grande escritor a consolidação de suas bases e a matriz de suas 
			normas. 
			"Camões representou esse movimento de defesa e 
			ilustração das línguas ditas vulgares, faladas no dia a dia. Que foi 
			geral na Europa, quando todas as línguas nacionais dos reinos 
			passaram a ser utilizadas também na língua de cultura, em detrimento 
			do latim", diz a linguista Franco. 
			"Em Portugal, havia a opção entre duas línguas 
			vulgares: o castelhano e o português. Mas cada vez mais os letrados 
			preferiram escrever em português", acrescenta ela. 
			Por que as pessoas ainda acreditam no mito 
			da alma gêmea 
			'Sempre fui mediano em literatura': americano 
			ajuda a decifrar carta 'criptografada' há 150 anos pelo escritor 
			Charles Dickens 
			Camões mesmo já havia escrito poemas em 
			espanhol. Decidiu utilizar o português para Os Lusíadas e, logo em 
			seguida, sua obra também foi traduzida — ainda no século 16, ganhou 
			três traduções para o castelhano e pelo menos uma publicação em 
			latim, conforme pesquisas de Franco. 
			"Do ponto de vista da história da evolução da 
			língua, o português atinge seu estágio moderno exatamente no século 
			16", ensina Rossetti. "É quando o idioma se uniformiza e adquire as 
			características básicas que ainda hoje se reconhecem nas nossas 
			gramáticas." 
			"A obra de Camões assimila essa nova feição e 
			legitima as potencialidades da nossa língua como expressão poética 
			de temas universais e aspectos atemporais acerca da condição humana. 
			Por meio dos recursos fônicos, morfológicos e sintáticos, o escritor 
			confirma o potencial também inventivo: a natureza literária do 
			idioma. Nesse sentido, a língua portuguesa torna-se, pela sua pena, 
			uma herança cultural, modelo de possibilidades de exploração 
			criativa", diz ainda o professor. "Por isso, Camões é patrimônio, 
			como também Shakespeare e Dante." 
			Rossetti lembra que a partir das letras de 
			Camões abriu-se um "espaço para outros gênios do pensamento 
			ocidental" em língua portuguesa. "É um novelo de muita linha, e a 
			primeira ponta desse fio se chama Camões", resume. 
			Professor Moraes ressalta que a época em que o 
			poeta viveu, o Renascimento, foi marcada por efervescência 
			científica e artístico-cultural. Assim, com Os Lusíadas, ele "deu 
			visibilidade ao povo português, ao ressaltar feitos grandiosos do 
			presente, as grandes navegações" e também garantiu "importante 
			referência para os estudos filológicos e linguísticos promovidos nos 
			séculos seguintes". 
			"Como sabemos, a língua é um dos principais 
			elementos de identidade nacional, e o excelso caráter nacionalista 
			da sua narrativa exalta, para além do conteúdo, a língua portuguesa. 
			Não é à toa que, até hoje, o poeta português figura como um dos 
			maiores nomes da literatura lusófona", pontua ele. 
			Apenas no vestibular? 
			Quatrocentos e cinquenta anos depois, por que 
			vale a pena ler Os Lusíadas ainda hoje? Para os especialistas, não 
			se trata apenas de uma obra "para o vestibular" — o livro pode e 
			deve ser lido como cultura geral, principalmente por pessoas 
			lusófonas. 
			"[Seus versos] são uma aula de retórica. Quem 
			quiser aprender retórica que leia 'Os Lusíadas', entenda toda aquela 
			estrutura persuasiva", defende Franco. 
			"Sua estrutura persuasiva, ele [o 
			poeta-narrador] quer convencer o rei [português] de alguma coisa, 
			convencê-lo a continuar essa aventura, essa luta dos portugueses 
			para manter seu império", explica a linguista. 
			"Bem, os clássicos são os clássicos. E isso 
			responderia à questão [sobre as razões para se ler Camões hoje] de 
			forma simplista mas eficiente", acrescenta Rossetti. "Para ser, 
			então, mais exato e pontual, diria que obras como 'Os Lusíadas' têm 
			a ver com a nossa história: a cultura, as crenças, as reflexões, os 
			valores, a memória." 
			Para o professor, "não se pode construir um 
			projeto futuro sem o conhecimento e a devida compreensão do passado, 
			sobretudo quando ele ainda faz tanto sentido nos dias de hoje". 
			"Afinal, continuamos seres desbravadores, vibramos com as conquistas 
			que ampliam os limites da geografia e do conhecimento, sentimos 
			emoção diante das histórias de amor ainda que com cores trágicas", 
			analisa. 
			Além disso, ele ressalta a questão da 
			lusofonia. "Principalmente, falamos a mesma língua e precisamos, 
			provavelmente mais que no século 16, de exemplos inteligentes, 
			admiráveis e sensíveis: necessitamos sempre de boa poesia, de 
			qualquer período, visto que os clássicos não envelhecem", conclui. 
			Moraes defende que "ter contato com os 
			clássicos" é fundamental para a "construção do repertório 
			artístico-cultural do indivíduo". "Nenhuma obra se torna um clássico 
			por mero trabalho de marketing", argumenta. 
			"No caso das epopeias, ainda mais", compara. 
			"Como se não bastasse a magnitude da forma, tem-se a maravilha do 
			conteúdo, que nos conduz 'por mares nunca dantes navegados'. 
			Ademais, propicia o estudo do passado histórico, sob a perspectiva 
			poética. Inclusive, pode proporcionar um interessante trabalho 
			comparativo entre os ofícios do historiador e do escritor-artista." 
			Problematizações contemporâneas também são 
			possíveis, é claro. E, se compreendidas dentro de cada contexto 
			histórico, podem gerar reflexões sem cair em anacronismos. Franco 
			frisa que não se pode esquecer que, em seu conteúdo, Os Lusíadas 
			"sublinham essa coisa que a gente considera horrível: a ideologia 
			imperialista, cruzadista". 
			"É um monumento ao poder e não deixa de ser um 
			pouco chocante para nossos ouvidos, por exemplo, o modo 
			preconceituoso como os mouros são apresentados na obra", 
			exemplifica. "Isso não é do poeta. É do gênero [épico] e é da época. 
			Por isso que a crítica contemporânea brasileira apresenta uma 
			leitura de 'Os Lusíadas' que salienta sua contradição, justamente o 
			elogio e o questionamento da posição invicta e hegemônica 
			portuguesa." 
			Por outro lado, também é importante ressaltar 
			que a obra é um retrato daquilo que pode ser considerada a primeira 
			globalização. "Essas 'descobertas' dos navegadores se tornaram 
			importantes como a primeira ligação planetária da Terra, a primeira 
			vez que todas as culturas entram em contato e se tem essa visão do 
			globo. Isso vai ser sempre importante", diz Franco. 
			
			"Podemos dizer que são questionáveis, já que no encontro de culturas 
			a diversidade acabou esquecida e apagada, reprimida pelo 
			eurocentrismo que doutrina o mundo… Mas 'Os Lusíadas' vão sempre ter 
			a importância de relatar esse primeiro contato entre culturas, ainda 
			que em confronto de poder entre o europeu hegemônico e os outros 
			povos subjugados.
			  
			A Lusofonia é uma 
			capela sistina inacabada; é comer vatapá e goiabada, um pastel de 
			bacalhau ou cachupa, regados com a timorense tuaka ao ritmo do samba 
			ou marrabenta; voltar a Goa com Paulo Varela Gomes, andar descalço 
			no Bilene com as Vozes anoitecidas de Mia Couto, ler No país de 
			Tchiloli da Olinda Beja, rever os musseques da Luuanda com Luandino 
			Vieira, curtir a morabeza cabo-verdiana ao som De boca a barlavento 
			de Corsino Fontes, ouvir patuá no Teatro D. Pedro IV na obra de 
			Henrique de Senna-Fernandes e na poesia de Camilo Pessanha; saborear 
			a bebinca timorense em plena Areia Branca ao som das palavras de 
			Francisco Borja da Costa e Fernando Sylvan, atravessar a açoriana 
			Atlântida com mil e um autores telúricos, reencontrar em Salvador da 
			Bahia a ginga africana, os sabores do mufete de especiarias da 
			Amazónia, aprender candomblé e venerar Iemanjá, visitar as igrejas e 
			casas coloridas de Ouro Preto, Olinda, Mariana, Paraty, Diamantina, 
			e sentir algo que não se explica em Malaca, nos burghers do Sri 
			Lanka, em Korlai ou no bairro dos Tugus em Jacarta. É esta a nossa 
			lusofonia. (Chrys Chrystello abril 2019)  
			
			  
		 
		
		Sobre o texto da primeira página 
		do blog recebemos do Sr. Manuel Miragaia o seguinte comentário: 
		
		"Começo pelo final. 
		
		A grande maioria dos 
		reintegracionistas querem hoje em dia que na Galiza o galego se escreva 
		como o português, mas conservando a fonética galega e muito do rico 
		vocabulário ou léxico galego. Entendem que o galego, como o português do 
		Brasil, uma variante da mesma língua. 
		
		Só há uma parte muito pequena de 
		reintegracionistas que se querem aproximar ao português mas de jeito 
		limitado, com ortografia não totalmente idêntica, por exemplo, nos 
		finais de palavra em ão, que seria para eles om. Nação-naçom e também 
		diferente em alguns verbos do português. Estes reintegracionistas, 
		próximos à direção da AGAL repito, são uma minoria muito reduzida dentro 
		do movimento reintegracionista galego. 
		
		Também incluiria no texto o 
		seguinte: O galego era a língua românica que nasceu no território 
		ocupado pela província romana de "Gallaecia" -a sua capital era a 
		povoação de Braga-, que abrangia o território da Galiza e o do Norte de 
		Portugal. Ninguém discute que no começo da Idade Média o galego era a 
		língua de todo o Noroeste da Península Ibérica. Ainda não se falava do 
		português. 
		
		Muitos filólogos galegos, 
		portugueses, brasileiros e doutros países consideram que ainda no 
		presente o galego e o português são duas variantes da mesma língua. 
		Mesmo entre as pessoas mais qualificadas que escrevem o galego com 
		ortografia do castelhano a maioria pensa que são a mesma língua. 
		Saudações cordiais, Manuel Miragaia" 
		  
		
		  
		A importância e história da língua portuguesa. 
		O português faz parte das línguas românicas e é 
		derivado do latim, idioma originado na Itália e que se expandiu pela 
		Europa junto com o domínio do Império Romano. 
		Entre os séculos III e II a.C., o latim chegou ao 
		sul do continente europeu, onde hoje, se localizam Portugal e Espanha. 
		No século V d.C., quando o Império Romano caiu, a Península Ibérica já 
		estava latinizada e, portanto, o latim já era a língua falada pelos 
		povos que habitavam os países ibéricos. 
		A língua foi se transformando e, com a influências 
		dos povos bárbaros, que invadiram a região, surgiu o chamado 
		“galego-português”, que também é conhecido como “galaico-português”. 
		A separação do galego e do português ainda gera 
		polêmica entre os historiadores, que divergem em relação à data e aos 
		acontecimentos que levaram a isso. Já para os linguistas, esse momento é 
		mais claro, tendo sido iniciado em 1185, com a independência de 
		Portugal, efetivando-se anos mais tarde. 
		De acordo com Maria Cristina de Assis, autora do 
		livro “Histórias da Língua Portuguesa”, “a separação entre o galego e o 
		português, que começou com a independência de Portugal (1185), vem se 
		efetivar com a expulsão dos mouros em 1249 e com a derrota em 1385 dos 
		castelhanos que tentaram anexar o país. O galego foi absorvido pela 
		unidade castelhana e o português tornou-se a língua oficial nacional de 
		Portugal”. 
		Já Álvaro Iriarte Sanromán, diretor do Departamento 
		de Estudos Portugueses da Universidade do Minho, em Braga, defende o 
		mesmo que a Korn Traduções já comentou em alguns de seus textos: a 
		língua é dinâmica e, portanto, está em constante evolução. Por esse 
		motivo, ele considera mais importante entender que a língua é um 
		instrumento vivo, ao invés de definir um marco para a separação dos 
		idiomas. 
		Por fim, outro fato histórico que ajudou no 
		fortalecimento da língua portuguesa foi a expansão marítima de Portugal, 
		no século 15, fazendo com que o idioma fosse disseminado pelas suas 
		colônias e tendo, muitas vezes, o uso de outras línguas proibido. 
		Língua Portuguesa: uma das mais faladas no mundo 
		Hoje, a língua portuguesa é a sétima mais falada do 
		mundo, sendo o idioma nativo de nove países e tendo o Brasil com o maior 
		número de falantes (208,8 milhões). Além disso, apenas Brasil, Portugal 
		e São Tomé e Príncipe tem o português como única língua oficial. 
		'Não se pode dizer que o português evoluiu do 
		galego, ou vice-versa. Houve, sim, uma fase arcaica, durante a Idade 
		Média, denominada galego-português, que vinha a ser o idioma falado nas 
		duas margens do Minho. Com a nossa independência, o galego propriamente 
		dito passou a girar na órbita política e linguística do castelhano, 
		enquanto o português se foi diferenciando, sobretudo devido à influência 
		do moçárabe, desenvolvido no centro e, sobretudo, no Sul do País. 
		Os Celtas não eram aparentados com os Vascos ou 
		Bascos, mas os Lusitanos, os nossos antepassados mais conhecidos, eram, 
		de facto, celtas (ou melhor, celtiberos) e deviam falar uma língua da 
		família céltica, muito aparentada com a itálica, a que pertencia o 
		latim, trazido para a Península pelos Romanos (soldados, funcionários e 
		colonos), na sua forma vulgar. 
		Há estudos sobre toponímia galego-portuguesa, 
		designadamente Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, de Joseph 
		Piel. Alguns escritores romanos referiam-se à língua falada pelos 
		Lusitanos, mas sempre sem entrar em pormenores. ' 
		
		  
		Na ponta da língua: o que é lusofonia? 
		Etimologia e interpretações críticas 
		 A cada pergunta, no mínimo duas respostas há: aquela breve, enxuta, 
		outra mais ampla e, às vezes, divagante. No que diz respeito à resposta 
		curta, a palavra “lusofonia” explica a si mesma. Trata-se de 
		justaposição das entradas “luso”, que do latim quer dizer “relativo a 
		lusitano”, e “fonia”, essa já vinda do grego, equivalente a “língua”. 
		Trocando em miúdos, lusofonia pode ser entendida como “qualidade 
		daqueles que falam a língua dos lusíadas”, lusos ou portugueses.
  
		Se a pulga atrás da orelha pulou, fica o rodapé: Lusitânia foi o nome 
		atribuído a uma província ibérica, correspondente hoje à parte da 
		Espanha e de Portugal.
  Assim como a palavra “lusíadas”, Lusitânia 
		vem de “Lusus”, figura legendária ligada a Baco e creditada como 
		fundadora mitológica da região.
  Desse literal boca-a-boca 
		etimológico, viria inclusive o título da magistral obra de poesia épica 
		escrita por Camões nos idos dos séculos XVI, “Os Lusíadas”... percebem 
		como já passamos à segunda forma de responder uma pergunta, aquela mais 
		ampla e que incorre na possibilidade da perda do fio da meada? Façamos, 
		então, neste espaço curto, alguns sobrevoos que poderiam ser longos.
  
		A lusofonia, celebrada ao 5 de maio, é também entendida como uma 
		comunidade de 9 países espalhados no globo cuja língua materna, 
		administrativa ou secundária é o português. Essa população esparsa de 
		cerca de 280 milhões de pessoas tem corpo institucional na Comunidade 
		dos Países de Língua Portuguesa, fundada em 1996 com o objetivo de 
		aproximar os estados-membros por meio da cooperação financeira e 
		cultural. Por sinal, sabia que a mencionada CPLP promove uma espécie de 
		Jogos Olímpicos dos falantes de português, os Jogos da Lusofonia? Se 
		não, calma, assim como ocorreu ao passar a saber quem foi Lusus, pouca 
		coisa vai mudar em sua vida.
  O que talvez mude, ou incomode pelo 
		menos, é a interpretação de intelectuais, como Adriano Freixo, quem 
		defende que, salvo para Portugal, a CPLP seria desprovida de sentido 
		para os seus membros. Para ele, a instituição teria sido originada nos 
		interesses específicos portugueses, com a busca de reinserção 
		internacional no cenário de pós-Guerra Fria por meio da aproximação às 
		ex-colônias. 
		 Na mesma linha crítica, o português Boaventura de Sousa Santos 
		aponta que a CPLP está demasiadamente focada em Brasil e Portugal. Nem 
		tudo são flores ou mera etimologia, não é?
  Atalhando o escrito: 
		afinal, o que é Lusofonia? Bem, mais do que conceitos aqui entregues, 
		lusofonia parece não ser nem a resposta curta, nem aquela mais longa, 
		embora permeie ambas. Ao meu lusófono, parcial e amador ver, lusofonia 
		parece ser uma “vivência”, ou experiência, que articula tacitamente 
		distintas visões de mundo sob um mesmo nome que não comporta todas suas 
		particularidades. Falar em “trama de diferenças”, como afirmou Laura 
		Padilha, ou mesmo em “lusofonias”, aparenta ser o mais acertado; isso já 
		é, porém, o pontapé para uma discussão ampla. 
		GABRIEL FERNANDINO | MESTRE EM 
		CIÊNCIA POLÍTICA (UFMG) E BACHAREL EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS (PUC 
		MINAS)   
		  
		
		Era um mundo novo / Um sonho de poetas / Ir até ao fim / Cantar novas 
		vitórias /E erguer, orgulhosos, bandeiras / Viver aventuras guerreiras / 
		Foram mil epopeias / Vidas tão cheias /Foram oceanos de amor / Já fui ao 
		Brasil / Praia e Bissau / Angola, Moçambique / Goa e Macau / Ai, fui até 
		Timor/ Já fui um conquistador / Era todo um povo / Guiado pelos céus 
		/Espalhou-se pelo mundo /Seguindo os seus heróis / E levaram a luz da 
		tortura/ Semearam laços de ternura Foram dias e dias e meses e anos no 
		mar / Percorrendo uma estrada de estrelas a conquistar Da Vinci, 
		na Eurovisão, 1989 
		
		
		A África é algo mais do que uma terra a ser explorada; a África é para 
		nós uma justificação moral e uma razão de ser como potência. Sem ela 
		seríamos uma pequena nação; com ela somos um grande Estado. 
		Marcelo Caetano, 1935 
		
		
		 No meio das convulsões presentes, nós apresentamo-nos como uma 
		comunidade de povos, cimentada por séculos de vida pacífica e 
		compreensão cristã, irmandade de povos que, sejam quais forem as suas 
		diferenciações, se auxiliam, se cultivam e se elevam, orgulhosos do 
		mesmo nome e qualidade de portugueses. Salazar, 1933 
		
		  
		“É uma ponte que se 
		constrói, uma ponte que une as margens distintas das identidades 
		culturais de cada um dos países de língua oficial portuguesa, uma ponte 
		que pretendemos inscrever no nosso imaginário colectivo, num encontro 
		cultural único, que amplie o nosso olhar sobre os outros e sobre nós 
		próprios, fortalecendo indelevelmente os laços que nos unem e a nossa 
		forma de estar no mundo.” Jorge Couto, 
		ex-presidente do Instituto Camões, a propósito de uma publicação durante 
		a Expo 98.
  A lusofonia poderá ser o conjunto de identidades 
		culturais existentes em países, regiões, estados ou cidades em que as 
		populações falam predominantemente língua portuguesa: Angola, Brasil, 
		Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, 
		Macau, Timor-Leste e diversas pessoas e comunidades em todo o mundo. 
		Haverá entre estes países lusófonos relações privilegiadas - na 
		cooperação política e económica (situação prodigiosa de unir as duas 
		margens do Atlântico), na educação e nas artes – grandes criadores que 
		manejam a língua de forma criativa, inventam outras pátrias de Camões, 
		contribuindo com a sua obra para ampliar a interculturalidade lusófona: 
		Pepetela, José Craveirinha, Saramago, Jorge Amado, Luandino Vieira e 
		tantos outros. Essa delimitação imaginária será geográfica, de poder, 
		de identidade, de descrição comum, mas é, antes de mais, um projecto, 
		uma construção artificial, como são todas as fronteiras, nações e 
		conjuntos de nações3.
  Neste espaço, que se convencionou chamar de 
		‘lusófono’, partilha-se a mesma língua nas suas várias recriações. É 
		certo e fantástico: viaja-se numa floresta tropical, no rio do Amazonas, 
		nas montanhas de Díli, numa estrada da Huíla e podemos conversar em 
		português, vamos a um café em Bissau ou uma esplanada em Cabo Verde e 
		gozamos o momento de ler o jornal na nossa língua (ainda que nem sempre 
		em português nos entendemos, pois para muitos a língua oficial é uma 
		língua estrangeira que cumpre apenas funções administrativas). 
		 Que identidades culturais partilham estes países para além da 
		especificidade da língua (que já é muito) e do destino de emigração ser 
		a antiga metrópole? Porque têm de ser tomados em conjunto, como um 
		pacote de países, estas diferentes culturas a quem aconteceu terem sido 
		esquartejadas em países colonizados pelo mesmo poder central? E de que 
		se trata quando se pretende fortalecer a “nossa forma de estar no 
		mundo”? Que olhar é esse nosso olhar? Quem é este nós? À partida um 
		‘nós’ é feito de coisas muito diversas e, se referido ao português, 
		devia ser o oposto de um motivo de orgulho. 
		 A lusofonia depende da “narração de uma certa história da 
		colonização portuguesa, que justifica um certo presente” (como referiu 
		António Tomás, explicando como era necessário contar histórias 
		alternativas, por exemplo a de Amílcar Cabral4), pois se o presente se 
		faz da reaplicação de narrativas fundadoras, quase todas aleatórias e/ou 
		construídas, e de interpretações da história, se as histórias forem 
		outras o presente implicitamente o será. Mas até agora o que existe são 
		estes discursos ancestrais que passaram, com uma nova maquilhagem, a ser 
		‘senso-comum’. A lusofonia, apesar de actualizar o passado colonial e 
		protelar o imaginário imperial, não é incomodativa porque se revestiu de 
		um discurso arejado, menos chato do que a celebração dos descobrimentos, 
		ainda que dela se alimente.5 E a retórica da interculturalidade - como a 
		Expo 98, o Ano Europeu do Diálogo Intercultural em 2008 e outras 
		efemérides - dá-nos a sensação de estarmos num espaço que se pretende 
		politicamente correcto e preocupado com as questões fundamentais aliás 
		de como viver com o Outro. Porém, tal discurso contém os seus perigos 
		quando “manifesta um desejo utópico de retratar a história e as relações 
		entre diferentes comunidades ao nível global, como sendo uma relação sem 
		poder, sem conflito.” (Vale de Almeida, 1998: 237) Ou seja, tende a 
		elidir o processo marcado pelo conflito e pelas relações de poder, 
		retrabalha o passado de forma celebratória e não problematizante.
  
		Precisamos pois de perceber melhor o que está por detrás de todos estes 
		discursos - produzidos de acordo com as políticas e ideologias mais 
		viáveis - no sentido de “evitar a recepção acrítica de tendências 
		particulares, evitando assim que estas sejam apressadamente 
		generalizadas ou universalizadas” (Sanches, 2007: 10), e no interesse de 
		pensar mais pelas dúvidas do que pelas certezas vinculadas na narrativa 
		da História. Refiro-me à lusofonia (discurso oficial e práticas) no 
		enfoque da relação Portugal / países africanos de língua portuguesa. O 
		caso do Brasil (na sua dimensão continental) ou terras asiáticas são 
		fenómenos diferentes embora enquadrados na mesma lógica. 
		
  
		  
		Promoção de lusofonia 
		 Apesar do discurso 
		aparentemente empenhado da lusofonia, na realidade não existe 
		verdadeiramente uma consciência lusófona, não há lóbi lusófono na ONU ou 
		na OMC (pelo menos se compararmos com a francofonia), nem tem assim 
		tanta coesão, nem no plano económico nem político. Nem em termos de 
		identidade: quase nenhum africano ou brasileiro se afirma enquanto 
		‘lusófono’ (só ouço portugueses falarem disso).
  O que une os 
		“lusófonos” afinal hoje em dia, que ‘potencial’ é este para o qual 
		devemos encontrar uma estratégia de consolidação? Será então a partilha 
		de cultura: conhecimento das histórias e literaturas uns dos outros, 
		gostos culinários, musicais, o futebol? 
		 Se assim for, a dúvida persiste no que toca à estratégia dos 
		promotores da lusofonia, uma vez que o desinteresse é a tónica dominante 
		nas várias áreas de expressão. Como questionava Kalaf numa crónica do 
		Público: “Será que nos interessamos realmente pela lusofonia? Ou este é 
		um conceito que serve tão-só a maquinação mediática? O Brasil, 
		aparentemente, pouco se importa com a actualização deste 
		luso-qualquer-coisa e Angola está a seguir o mesmo caminho.”
  Este 
		desinteresse provirá talvez do facto das práticas também remontarem ao 
		passado. Os agentes de promoção da lusofonia ainda funcionam como centro 
		cultural na ‘metrópole’ que subsidia os vários representantes no terreno 
		sem qualquer noção das realidades desses países, sem estratégia conjunta 
		de programação, etc. O espaço lusófono acaba por ser a tal “bolha onde 
		tudo é possível e tudo se consome”, retomando a ideia de Lívia Apa, “um 
		mundo criado pelo ‘laço’ da língua portuguesa, dentro do qual os 
		escritores transitam, se movem, trocam visitas, falam, escrevem, são 
		lidos, mas fora do qual eles próprios não conseguem encontrar o seu 
		lugar, como se fossem até incapazes de ter acesso ao que acontece fora 
		da lusofonia.
  Por exemplo, os escritores africanos lêem pouco os 
		outros africanos não lusófonos.”8
  O fechamento para outros 
		espaços como reflexão cria essa bolha de protecção nas rédeas de um 
		circuito fechado e alienante. O facto da produção literária passar pelo 
		mercado português para ser legitimada (o cânone produzido de forma 
		exógena), e nessa obrigação ter como porta de acesso o ‘exótico’, a 
		única permitida pois o mercado sabe bem fazer rentabilizar a 
		‘diferença’, por vezes condiciona a própria forma de escrever (como se 
		se escrevesse para português ler), praticando uma tradução cultural de 
		si-mesmos. Os escritores africanos pouco lidos nos seus países de origem 
		são-no mais na Europa, onde há mais leitores, e também aqui pode pôr-se 
		a hipótese, como avançou Inocência Mata, de uma reedição da política do 
		assimilacionismo cultural e de continuidade do império na cultura. 
		(Mata, 2007: 288)
  A língua portuguesa era o suporte do Império e 
		hoje é o suporte da lusofonia no que concede de possibilidade de 
		universalismo. Para reforçar esta partilha há que promove-la, o que não 
		tem mal nenhum se não se partisse do princípio de que cabe aos 
		portugueses o controlo da língua portuguesa. Desta forma, escreve 
		Alfredo Margarido (2007), “a língua deixaria de ser um instrumento capaz 
		de ser utilizado por qualquer grupo ou mesmo indivíduo, pois seria não 
		só a criação mas sobretudo propriedade dos portugueses. Se partirmos do 
		princípio que a língua pertence àqueles que a falam, regista-se uma 
		profunda autonomia dos locutores de português. Se esperamos que a língua 
		continue a expandir-se, devemos em contrapartida refrear o instinto de 
		dominação que continua a marcar a sociedade portuguesa.” Veremos agora 
		em relação ao novo acordo ortográfico o que vai mudar neste capítulo, 
		bem presente nas vozes mais conservadoras deste debate.
  É como se 
		a língua, o património dos falantes de português, fosse o último 
		território que ficou por descolonizar, como sugeriu o escritor timorense 
		Luís Cardoso no colóquio acima referido.
  Mas só que quem está a 
		dar cartas desta vez, num processo autofágico de pegar na norma e 
		subvertê-la, ao contrário do colonialismo linguístico pretendido, são 
		outros: “reinventamos o português, os tugas a aprenderem connosco, somos 
		colonos desta vez” rapa o angolano Kheita Mayanda no tema “É dreda ser 
		angolano”. E é equacionando estas variantes todas do português, com 
		muitos mais falantes e criatividade, sem sobreposição da norma do 
		suposto ‘centro’ da língua, que a língua portuguesa se enriquece.
  
		A música poderia ser a excepção, onde o discurso do “espaço lusófono” 
		faria algum sentido uma vez que, desde o séc. XV, tem sido um elemento 
		de fortes trocas culturais percebendo-se a saudável contaminação dos 
		ritmos e conhecimento das origens da música nos vários países de língua 
		portuguesa. Exemplos: o fado que é da família do lundum e da morna; a 
		curiosidade dos cantautores de intervenção portugueses pelas sonoridades 
		da música africana e brasileira; a partir dos anos 90, a alavanca de 
		projectos como Rap Mania ou Kussondolola (que fez a ponte com África na 
		cultura jovem) e, hoje em dia, inúmeras bandas de fusão. A música que 
		circula na cultura urbana recupera o semba, mornas, e apresenta imensos 
		pontos de contacto entre as várias culturas.
  Apesar da lusofonia 
		musical ser uma realidade constatada, mais uma vez o próprio projecto 
		lusófono se desintegra na prática. As produtoras portuguesas andam a 
		dormir. No filme Lusofonia, Sons da (R)evolução os músicos e agentes 
		musicais lamentam a falta de investimento nacional e terem de recorrer a 
		editoras não portuguesas (sobretudo francesas e holandesas, no caso das 
		cantoras Lura, Cesária Évora, Sara Tavares, Mariza) com melhores 
		condições, da gravação à promoção passando pelos prémios. As editoras 
		portuguesas estão desatentas à fonte inesgotável de boa música da noite 
		afro-lisboeta, não acreditam e não cuidam do seu ‘património 
		linguístico’ - a música em língua portuguesa ou crioulo em muitos casos 
		- como mercado de confluência de culturas. Por complexos, falta de 
		visão? De vez em quando descobrem incríveis fenómenos como o kuduro 
		progressivo, caso dos Buraka Som Sistema. Mas mesmo assim, o kuduro, 
		sobretudo o original e dos guetos, é subaproveitado no seu potencial: 
		“se fosse de Berlim, Nova Iorque ou Londres o kuduro era uma música do 
		mundo” diz, no mesmo filme, o crítico Vítor Belanciano. 
		 Nas artes plásticas parece que a maioria das abordagens vão de 
		encontro a um espírito que cristalizou uma ideia de arte africana, 
		tradicional e ao gosto dos africanistas. Ou para satisfazer um mercado 
		ávido de naif e novos primitivismos, bastante condescendente e que 
		sobrevaloriza os contextos dos artistas em relação à sua arte. De vez em 
		quando há iniciativas que reflectem uma visão contemporânea e introduzem 
		uma série de questões ligadas às teorias pós-coloniais, mas colocam 
		sempre o enfoque na tal devolução da imagem de um centro: os vestígios 
		dos portugueses em África, ou como os africanos vêem os portugueses cá, 
		ou os descendentes de colonizados descobrem as suas origens, etc. Outros 
		eventos passam à margem da aglomeração lusófona (e do próprio meio 
		artístico português).
  Estes exemplos de má promoção da lusofonia 
		acabam por convergir na ideia de que não se tem investido a sério neste 
		espaço, cuja sustentação não é desinteressada. Os laços criados entre as 
		culturas destes países existem naturalmente nas histórias de vida, a 
		maioria delas empurradas pela realidade anterior de criação de colónias, 
		que leva agora a que se emigre para o sítio de onde esses que as 
		povoaram partiram (e outros, no fluxo contrário, partem à procura do el 
		dourado do investimento em África), ou por questões de guerra, economias 
		desmembradas, desemprego, estudo, desamor, ou mil razões que fazem as 
		pessoas circular para realidades nem sempre acolhedoras, mas que 
		proporcionam a recriação da sua identidade. A herança da história 
		trágico-marítima foi transformada em discursos sobre ‘pontes’ e laços 
		culturais, depois de uma vez se terem criado pontes aéreas para fugir da 
		insustentabilidade de uma situação ideológica que eram as colónias. E 
		toda essa partilha que se pretende efectiva actualmente, é também ela 
		ideologicamente questionável, com interesses e práticas que insistem nos 
		mesmos termos e dados do jogo. É preciso auto-reflexividade para 
		estancar a reprodução dos mitos do antigamente.
  Questionar as 
		bases deste modelo e defesa da lusofonia poderá ser um princípio para 
		uma mudança de paradigma: interessa lidar com subjectividades e 
		particularidades, contextualizando de onde vêm estas relações, e não com 
		abstractos conjuntos de países que, além da língua e de episódios 
		históricos, não se revêem necessariamente nesse bonito retrato de 
		família que Portugal quer passar e do qual faz uso sempre que lhe 
		convém. 
		
		Publicado na revista Jogos 
		Sem Fronteiras, edições 
		Antipáticas, Julho 2008 
		  
		  
		O Movimento Internacional de 
		Divulgação e Promoção da Lusofonia não tem dono. 
		Se é verdade que a Língua 
		Portuguesa não tem dono e se democracia é composta por maiorias, a 
		Lusofonia e o Movimento Internacional Lusófono deveria dar mais voz ao 
		Brasil. O Brasil é o País que tem mais falantes da Língua Portuguesa no 
		mundo e o único no Continente Americano de Língua Portuguesa. Continente 
		dominado pelo Espanhol. 
		Filipe de Sousa 
		  
		Lusofonia: uma mera concepção 
		doutrinária 
		 Tive a oportunidade de ler 
		atentamente o texto de opinião do escritor José Luís Mendonça, em defesa 
		do conceito de “lusofonia”, com o qual ele aparentemente concorda e com 
		o qual eu discordo, pelo simples facto do mesmo se situar no âmbito 
		doutrinário e não sociológico. José Luís Mendonça, ao citar a 
		definição de lusofonia no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea 
		da Academia das Ciências de Lisboa, refere-se simplesmente ao ponto 2: 
		“Comunidade formada pelos países e povos que têm o português como língua 
		materna ou oficial. Difusão da língua portuguesa no mundo.” Mas omite, 
		propositadamente, o ponto 1: “Qualidade de ser português, de falar 
		português; o que é próprio da língua e cultura portuguesas.” Porque o 
		fez? 
		Também poderia ter apresentado 
		outras definições, a título de exemplo, que já constaram da Wikipédia 
		“enciclopédia livre”: como sinónimo de “portuguesofonia” e entendida 
		como “o conjunto de identidades culturais existentes em países, regiões, 
		Estados ou cidades falantes da língua portuguesa, como Angola, Brasil, 
		Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e 
		Príncipe, Timor-Leste e por diversas pessoas e comunidades em todo o 
		mundo”. Mais tarde, esta definição foi retirada da Wikipédia e surgiu 
		uma outra: “conjunto de algumas identidades culturais existentes em 
		países, regiões, Estados ou cidades falantes da língua portuguesa como 
		Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, 
		São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Goa e por diversas pessoas e 
		comunidades em todo o mundo” [em 15/09/2014]. 
		Na realidade, o termo 
		“lusofonia” parece ter surgido apenas no período pós-colonial, já que o 
		Dicionário Prático Ilustrado, editado em 1977, pela Lello & Irmão 
		Editores, com 2.026 páginas e mais de 100.000 vocábulos, à época, 
		auto-intitulado de Novo Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, é 
		totalmente omisso em relação à palavra “Lusofonia”, mas refere-se à 
		palavra “luso” como sendo: o “nome do suposto fundador da raça 
		lusitânica”; sinónimo de “Português”, de “Lusíada” e de “Lusitano”. 
		Se antes chegou a admitir-se o 
		termo “portuguesofonia”, porque não “Palopofonia” como neologismo, se as 
		vertentes de identidade são de origem cultural, histórica e política? 
		Estas vertentes estão mais próximas dos PALOP do que do Brasil, 
		Portugal, Goa, Macau e Timor Leste, pelas seguintes razões: Há uma mesma 
		pertença identitária africana (e até civilizacional bantu, como no caso 
		de Angola e Moçambique); Há a mesma submissão colonial de meio milénio, 
		com contacto permanente de cinco séculos com a língua e a cultura 
		portuguesa; Há diferentes formas de reivindicação protonacionalista e 
		associativista que evoluíram para a moderna construção do nacionalismo 
		nos PALOP; Com excepção dos países arquipelágicos (Cabo Verde e S. Tomé 
		e Príncipe), há a guerra como factor dissociativo e associativo. 
		Como diria a historiadora 
		angolana Maria da Conceição Neto, pelo menos os angolanos e os 
		moçambicanos, enquanto africanos, antes de eventualmente se considerarem 
		“lusófonos”, são, maioritariamente e em primeira instância, 
		“bantuófonos”. 
		Maria Manuel Baptista, numa 
		comunicação apresentada no III Seminário Internacional “Lusografias”, 
		promovido pelo Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências 
		Sociais e Humanas da Universidade de Évora, que decorreu de 8 a 11 de 
		Novembro de 2000, logo no início da sua intervenção, referiu o seguinte: 
		“A presente comunicação parte da ideia de que o conceito de Lusofonia é 
		um bom conceito para abandonar, pois é um termo que imagina designar e 
		conter em si um espaço linguístico-cultural que teria desde logo como 
		centro os ‘lusos’ ou os ‘lusíadas’, apesar de o discurso oficial, de 
		intelectuais e políticos dos mais diversos quadrantes e formações, ser 
		incapaz de assumir claramente, e sem hipocrisia, a não inocência de um 
		tal conceito”. Maria Manuel Baptista sustenta esta afirmação com uma 
		citação do professor e filósofo português Eduardo Lourenço, que, em 
		1999, no seu livro – «Cultura e Lusofonia ou os Três Anéis – A Nau de 
		Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia», afirmou 
		perentoriamente: “Não sejamos hipócritas, nem sobretudo voluntariamente 
		cegos: o sonho de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, bem ou 
		mal sonhado, é por natureza – que é sobretudo história e mitologia – um 
		sonho de raiz, de estrutura, de intenção e amplitude lusíada”. E 
		acrescenta que a questão da “Lusofonia” tal como a Francofonia, só pode 
		ser adequadamente esclarecida num contexto mais vasto “que é o da nossa 
		actual cultura mundializada, a braços com a, porventura, mais profunda 
		crise que o pensamento ocidental já viveu, situação cultural e 
		espiritual que tem sido comumente designada por pós-modernismo, 
		pós-humanismo, pós-cristianismo ou pós-colonialismo”. De entre os 
		intelectuais portugueses que têm procurado um sentido, simultaneamente 
		retrospectivo e prospectivo, para a “lusofonia”, destaca-se, de facto, 
		Eduardo Lourenço, “um europeísta convicto, ora crítico e desiludido, ora 
		utópico e entusiasta”, mas, face à “lusofonia” são claras e 
		reiteradamente assumidas as suas posições, nos diversos textos que tem 
		publicado sobre esta matéria. Lamentavelmente, pouco divulgados. 
		Por agora, fico a imaginar um 
		“mucubal” no seu percurso comunitário de transumância ou uma “mumuíla” 
		nas ruas da serra da Chela a vender óleo de “mumpeke” e “ngundi” para 
		vitaminar o cabelo e alguém, por imperativos doutrinários, dizer-lhes 
		que são “lusófonos” (?!). 
		 
		
		  
		“A Venezuela é um país com muito 
		potencial no que se refere ao ensino da Língua Portuguesa” 
		Rainer Sousa, coordenador na Venezuela 
		 A promoção e difusão da Língua e Cultura portuguesas é o grande 
		objetivo da Coordenação do EPE (Ensino Português no Estrangeiro) na 
		Venezuela. Um país onde a maioria dos estudantes de Português ainda são 
		luso-descendentes, mas onde se tem notado “cada vez mais” o interesse em 
		estudar esta língua por parte de venezuelanos sem nenhum vínculo com a 
		comunidade portuguesa. Para que este interesse permaneça e cresça, é 
		necessário, entre outras metas, formar mais professores, como sublinha 
		Rainer Sousa.
  Na Venezuela, o Português é dinamizado no regime de 
		‘ensino paralelo’, oferecido de forma extracurricular. “Ainda estamos a 
		dar os primeiros passos na introdução do Português de maneira oficial 
		nas escolas venezuelanas”, afirma Rainer Sousa. Há 22 instituições que 
		oferecem cursos de Português, duas das quais começaram este ano 
		organizá-los. 
		 E se os alunos ainda são, 
		maioritariamente, luso-descendentes, a Língua Portuguesa tem, a cada ano 
		que passa, despertado o interesse de venenzuelanos sem nenhum vínculo 
		familiar a Portugal. 
		  
		  
		Conceitos Lingüísticos, Colonização 
		Lingüística 
		 Os efeitos ideológicos de um 
		processo colonizador materializam-se em consonância com um processo de 
		colonização lingüística, que supõe a imposição de idéias lingüísticas 
		vigentes na metrópole e um ideário colonizador enlaçando língua e nação 
		em um projeto único. A colonização lingüística é da ordem de um 
		acontecimento, produz modificações em sistemas lingüísticos que vinham 
		se constituindo em separado e, ainda, provoca reorganizações no 
		funcionamento lingüístico das línguas bem como rupturas em processos 
		semânticos estabilizados. Colonização lingüística resulta de um processo 
		histórico de encontro entre pelo menos dois imaginários lingüísticos 
		constituivos de povos culturamente distintos − línguas com memórias, 
		histórias e políticas de sentidos desiguais −, em condições de produção 
		tais que uma dessas línguas − chamada de língua colonizadora − visa 
		impor-se sobre a(s) outra(s), colonizada(s).
			
		 
		 Os efeitos decorrentes desse 
		processo de colonização lingüística, porém, não são sempre os mesmos nem 
		não são previsíveis; basta que se observem comparativamente as 
		trajetórias das diferentes línguas indígenas, das línguas africanas e de 
		línguas colonizadoras como o português, o inglês, o francês e o espanhol 
		nas Américas. 
		 Se, de um lado, há um 
		encontro da língua de colonização com outras (européias, indígenas ou 
		africanas), de outro, há um lento ‘desencontro’ dessa língua 
		colonizadora com ela mesma. Assim, a colonização lingüística também pode 
		ser apreendida como um acontecimento lingüístico bastante específico: um 
		(des)encontro lingüístico no qual os sentidos construídos são 
		singularizados em situações enunciativas singulares, situações histórica 
		e paulatinamente engendradas que vão dando lugar ao surgimento de uma 
		língua e de um sujeito singulares. 
		 Em termos sintéticos, a 
		colonização lingüística do Brasil pode ser apresentada conforme os 
		pontos enumerados abaixo: 
		 1) Os colonizadores e 
		administradores falam e escrevem sobre as línguas desde os primeiros 
		momentos do contato. Esse conjunto de dizeres sobre as outras línguas 
		vai instituindo um lugar para elas. É um lugar organizado a partir de um 
		domínio de saber lingüístico, alimentado por um imaginário já 
		pré-constituído, ao mesmo tempo em que passa a fomentar o saber sobre as 
		línguas e a circulação de outros sentidos não previstos. Talvez aqui se 
		encontre um dos aspectos de maior exclusão presente na colonização 
		lingüística, pois frente à construção desses dizeres não há um “direito 
		lingüístico de resposta”: os índios não podem nem contestar a 
		interpretação portuguesa, uma vez que não sabem o que está sendo dito 
		sobre eles, nem têm como deixar na memória sua interpretação sobre esse 
		desconhecido português, já que sua língua não tem escrita.
  2) Faz 
		parte da colonização lingüística um estudo das línguas desconhecidas 
		como forma de dar sustentação às idéias lingüísticas vigentes. No caso 
		português, a colonização lingüística no século XVI sustenta 
		ideologicamente o próprio ato da expansão marítima e religiosa. É, por 
		exemplo, de Fernão de Oliveira um dos enunciados que fundam e fundem as 
		políticas expansionistas e lingüístico-religiosas: “...melhor é que 
		ensinemos a Guiné que sejamos ensinados de Roma.” (Oliveira,1975). Ou 
		ainda, como afirma João de Barros seguindo essa direção: “... per esta 
		nossa arte aprenderem a nossa linguagem com que possam ser doutrinados 
		em os preceitos da nossa fé, que nella vam escritos.” (Barros,1971). 
		Esses enunciados, retomados parafrasticamente ao longo do processo 
		colonizador pela legislação colonial, reaparecem no século XVIII no 
		Diretório dos Índios promulgado por Pombal como forma de reafirmação dos 
		sentidos já estabelecidos e também como forma de oficializar em 
		definitivo a língua como uma das instituições nacionais portuguesas na 
		colônia: “Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as 
		nações (...) introduzir logo nos povos conquistados seu próprio 
		idioma...” 
		 3) Tão importante quanto a 
		imposição da língua de colonização é o aprendizado das línguas 
		desconhecidas. Na colonização brasileira, esse aprendizado ou se 
		realizou oralmente ou em função da gramatização, como decorrência das 
		formas como ia se dando o contato: inicialmente, os línguas, e depois os 
		colonos e os bandeirantes, por exemplo, aprendiam oralmente; já com os 
		religiosos, tanto ocorre uma oralização quanto ocorre um 
		ensino-aprendizado a partir das gramáticas e vocabulários que vão sendo 
		escritos. 3.1) Para os colonos, o aprendizado da(s) língua(s) 
		desconhecida(s) faz parte de um processo de conhecimento e de dominação 
		da terra, como foi, por exemplo, a situação dos bandeirantes.  3.2) 
		Para os religiosos, aprender a língua é uma forma de apreender a 
		cosmologia indígena, e, assim, melhor traçar os caminhos mais adequados 
		para uma conversão dos sentidos indígenas em católicos. A gramatização 
		permite a construção de uma escrita, possibilitando a tradução e a 
		conversão lingüístico-cultural de orações e outros rituais sagrados, 
		como o batismo e as confissões. Esse processo permite, inclusive, o 
		ensino da língua geral na metrópole, levando à produção de um efeito não 
		previsto: uma outra língua passa a integrar materialmente o espaço da 
		língua de colonização. Aprende-se uma língua imaginária, aprisionada nas 
		redes de um modelo gramatical latino, e, ao mesmo tempo, apreende-se um 
		imaginário sobre as línguas e sobre a colônia. 
		 
		 4) Nesse processo de 
		aprendizado, há um estabelecimento de denominações para a flora, fauna e 
		geografia da terra desconhecida, ou seja, organiza-se uma taxionomia 
		semântica a partir da representação lingüística feita para os termos 
		indígenas, misturados a termos provenientes do colonizador. As 
		denominações, pensadas aqui em termos da construção discursiva dos 
		referentes, vão tornando transparente a opacidade constitutiva do que é 
		desconhecido, ou seja, engendram sítios de significância codificados em 
		termos do domínio de pensamento do colonizador. (V. Orlandi,2002,p 29) 
		Nessa ótica, são elas que ficam 
		nas gramáticas portuguesas como vestígio possível da presença do que 
		havia sido excluído. Assim, sob o rótulo “provincialismos” ou “termos da 
		língua geral do Brasil”, a língua colonizada tem seu lugar demarcado 
		como uma diferença tolerável e já absorvida. 
		 5) Paralelamente, apesar da 
		forte presença sobretudo da língua geral, organiza-se a imposição da 
		língua de colonização de forma a atingir, visando à difusão do português 
		como língua e cultura da metrópole, um monolingüismo idealizado. 
		Cidades, portos e fortes são locais de administração e legitimação dessa 
		ambiência lingüístico-cultural predominantemente portuguesa. Nos portos 
		e nos fortes, é na modalidade escrita da língua portuguesa que se faz o 
		registro de entrada e saída de mercadorias, por mais que haja a pressão 
		de diferentes línguas em circulação. Nas cidades, o latim e o português 
		são ensinados em sua forma escrita e ocupam outros espaços 
		institucionalizados da metrópole: escolas, tribunais e igrejas. 
		Ensina-se o português fixado pela gramática, que assegurou a Portugal 
		sua unidade e identidade como nação, de forma a garantir na colônia a 
		reprodução desse imaginário. Embora nos termos dessa descrição 
		gramatical voltada para o ensino e a escrita, haja a fixação da imagem 
		do português como língua una e homogênea, garantindo uma estabilidade 
		lingüística necessária ao seu ensino longe da metrópole, sua 
		historização na colônia não fica imune ao contato com as demais 
		histórias e culturas. 
		 
		 6) Finalmente, a colonização 
		lingüística supõe o estabelecimento de políticas lingüísticas explícitas 
		como caminho para manter e impor a comunicação com base na língua de 
		colonização. Delimitando os espaços e as funções de cada língua, a 
		política lingüística dá visibilidade à já pressuposta hierarquização 
		lingüística e, como decorrência dessa organização hierárquica entre as 
		línguas e os sujeitos que as empregam, seleciona quem tem direito à voz 
		e quem deve ser silenciado. A formulação e execução de uma dada política 
		lingüística, no entanto, não impede totalmente a circulação e o 
		amalgamento das línguas e dos sentidos. 
		 Apesar da força engendrada 
		pela colonização lingüística, não há ritual sem falhas, e a comunicação 
		supõe, também, a não comunicação, como nos lembra Michel Pêcheux. 
		(Pêcheux,1988). Assim sendo, à revelia da colonização lingüística 
		oficialmente imposta, pequenos lugares de esgarçamento nessa ideologia 
		de dominação pela língua da metrópole vão sendo constituídos, 
		permitindo, dessa forma, o surgimento de outros sítios de significação. 
		O estudo desse processo permitiu delinear os seguintes lugares de 
		resistência à colonização lingüística: 
		 1) Ao longo da colonização, 
		os índios vão construindo um lugar frente ao português, no qual eles 
		redirecionam os processos de significação engendrados na língua de 
		colonização. Assim, a partir de suas próprias línguas, a resistência se 
		faz com base na simulação dos gestos que legitimam a língua portuguesa 
		aos olhos e ouvidos do próprio colonizador. Reproduzem, por exemplo, a 
		imagem da leitura de textos escritos, mesmo sem saber ler; fingem que 
		aprendem a língua ou aprendem para discutir com comerciantes ou para 
		refutar a legislação que se estabelece a seu respeito; aprendem a língua 
		portuguesa e mentem valendo-se dessa mesma língua. 
		 2) O aprendizado sistemático 
		da língua geral, feito indistintamente por moradores da colônia, produz 
		comunidades discursivas opacas ao entendimento da língua da metrópole. 
		 
		 3) Além disso, a 
		gramatização do tupinambá pelos jesuítas, o “eleva” a um patamar de 
		língua européia, pois seu funcionamento gramatizado permite a construção 
		de uma escrita que venha dar forma jurídica às novas relações sociais e 
		políticas presentes na colônia. 
		 4) Para as denominações, vão 
		sendo engendradas memórias, ou seja, vai sendo construída uma 
		discursivização outra, ao mesmo tempo em que vai sendo produzido um 
		esquecimento das relações entre palavras e coisas tal como se dava em 
		Portugal; 
		 5) Para além do ensino 
		regular do português gramaticalizado ou da gramatização do tupi, os 
		espaços de oralidade organizados em torno da língua geral e do próprio 
		português se misturaram e se entranharam no modo como a língua 
		portuguesa ficou na colônia. Dito de outro modo, a formação histórica da 
		colônia é marcadamente oralizada e, inversamente, nessa oralização estão 
		materializadas as histórias dos sentidos das duas línguas e a memória do 
		modo como ambas se modificaram em função da própria colonização 
		lingüística. 
		 6) A política lingüística 
		planejada e executada não dá garantias para uma estabilização dos 
		sentidos postos em circulação e que vão se constituindo em função do 
		contato e à revelia das instituições gerenciadoras do que se pode e se 
		deve dizer. 
		 Da colonização à 
		institucionalização lingüística 
		 Para a língua portuguesa se 
		tornar língua de colonização, foi necessário que ela fosse instituída, 
		tivesse um caráter institucional, conforme foi dito. Ela foi fundada 
		como instituição, legitimando Portugal como nação. Em termos históricos, 
		aos portugueses é natural, óbvio, ter a língua portuguesa como língua 
		nacional: português tanto designa o povo quanto a nação. 
		 Na colônia, no entanto, não 
		se reproduziu exatamente a naturalização do que havia na metrópole, 
		embora a colonização lingüística estivesse voltada exatamente para tal 
		reprodução. Operou-se uma disjunção histórica na própria palavra 
		português e, paralelamente, constituiu-se uma nação com outro lugar 
		enunciativo e com um outro nome: brasileiro. 
		 
		 A língua portuguesa, 
		instituição da nação portuguesa, foi institucionalizada na colônia, ou 
		seja, foi necessário um ato político-jurídico − o já mencionado 
		Diretório dos índios − para institucionalizar, oficializar de modo 
		impositivo que era essa, e apenas essa, a língua que devia ser falada, 
		ensinada e escrita, exatamente nos moldes da gramática portuguesa 
		vigente na Corte. 
		 Institucionaliza-se, assim, 
		A língua portuguesa com SUA memória de filiação ao latim. O Diretório 
		busca colocar em silêncio a língua geral e seus falantes, caracterizando 
		a referida língua como uma “invenção diabólica”. Não se fala em um 
		português-brasileiro. Ele ou não existe aos olhos da metrópole, ou, se 
		existe, precisa ser corrigido, melhorado, reformatado de acordo com os 
		moldes gramaticais portugueses. Aos olhos da metrópole precisa ser a 
		continuidade da imaginária homogeneidade que confere o caráter nacional 
		a Portugal. Mas os processos históricos, como se sabe, são continuidade 
		e mudança, sempre. 
		 Fonte: 
		labeurb.unicamp.br 
		  
		  
		LUSOFONIAS
 
  Era 
		um mundo novo / Um sonho de poetas / Ir até ao fim / Cantar novas 
		vitórias /E erguer, orgulhosos, bandeiras / Viver aventuras guerreiras / 
		Foram mil epopeias / Vidas tão cheias /Foram oceanos de amor / Já fui ao 
		Brasil / Praia e Bissau / Angola, Moçambique / Goa e Macau / Ai, fui até 
		Timor/ Já fui um conquistador / Era todo um povo / Guiado pelos céus 
		/Espalhou-se pelo mundo /Seguindo os seus heróis / E levaram a luz da 
		tortura/ Semearam laços de ternura Foram dias e dias e meses e anos no 
		mar / Percorrendo uma estrada de estrelas a conquistar Da Vinci, na 
		Eurovisão, 1989
  "A África é algo mais do que uma terra a ser 
		explorada; a África é para nós uma justificação moral e uma razão de ser 
		como potência. Sem ela seríamos uma pequena nação; com ela somos um 
		grande Estado.". Marcelo Caetano, 1935
  "No meio das convulsões 
		presentes, nós apresentamo-nos como uma comunidade de povos, cimentada 
		por séculos de vida pacífica e compreensão cristã, irmandade de povos 
		que, sejam quais forem as suas diferenciações, se auxiliam, se cultivam 
		e se elevam, orgulhosos do mesmo nome e qualidade de portugueses."
  
		Salazar, 1933 
		 “É uma ponte que se constrói, uma ponte que une as margens distintas 
		das identidades culturais de cada um dos países de língua oficial 
		portuguesa, uma ponte que pretendemos inscrever no nosso imaginário 
		colectivo, num encontro cultural único, que amplie o nosso olhar sobre 
		os outros e sobre nós próprios, fortalecendo indelevelmente os laços que 
		nos unem e a nossa forma de estar no mundo.” Jorge Couto, 
		ex-presidente do Instituto Camões, a propósito de uma publicação durante 
		a Expo 98.
  A lusofonia poderá ser o conjunto de identidades 
		culturais existentes em países, regiões, estados ou cidades em que as 
		populações falam predominantemente língua portuguesa: Angola, Brasil, 
		Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, 
		Macau, Timor-Leste e diversas pessoas e comunidades em todo o mundo. 
		Haverá entre estes países lusófonos relações privilegiadas - na 
		cooperação política e económica (situação prodigiosa de unir as duas 
		margens do Atlântico), na educação e nas artes – grandes criadores que 
		manejam a língua de forma criativa, inventam outras pátrias de Camões, 
		contribuindo com a sua obra para ampliar a interculturalidade lusófona: 
		Pepetela, José Craveirinha, Saramago, Jorge Amado, Luandino Vieira e 
		tantos outros. Essa delimitação imaginária será geográfica, de poder, 
		de identidade, de descrição comum, mas é, antes de mais, um projecto, 
		uma construção artificial, como são todas as fronteiras, nações e 
		conjuntos de nações3.
  Neste espaço, que se convencionou chamar de 
		‘lusófono’, partilha-se a mesma língua nas suas várias recriações. É 
		certo e fantástico: viaja-se numa floresta tropical, no rio do Amazonas, 
		nas montanhas de Díli, numa estrada da Huíla e podemos conversar em 
		português, vamos a um café em Bissau ou uma esplanada em Cabo Verde e 
		gozamos o momento de ler o jornal na nossa língua (ainda que nem sempre 
		em português nos entendemos, pois para muitos a língua oficial é uma 
		língua estrangeira que cumpre apenas funções administrativas). 
		 Que identidades culturais partilham estes países para além da 
		especificidade da língua (que já é muito) e do destino de emigração ser 
		a antiga metrópole? Porque têm de ser tomados em conjunto, como um 
		pacote de países, estas diferentes culturas a quem aconteceu terem sido 
		esquartejadas em países colonizados pelo mesmo poder central? E de que 
		se trata quando se pretende fortalecer a “nossa forma de estar no 
		mundo”? Que olhar é esse nosso olhar? Quem é este nós? À partida um 
		‘nós’ é feito de coisas muito diversas e, se referido ao português, 
		devia ser o oposto de um motivo de orgulho. 
		 A lusofonia depende da “narração de uma certa história da 
		colonização portuguesa, que justifica um certo presente” (como referiu 
		António Tomás, explicando como era necessário contar histórias 
		alternativas, por exemplo a de Amílcar Cabral4), pois se o presente se 
		faz da reaplicação de narrativas fundadoras, quase todas aleatórias e/ou 
		construídas, e de interpretações da história, se as histórias forem 
		outras o presente implicitamente o será. Mas até agora o que existe são 
		estes discursos ancestrais que passaram, com uma nova maquiagem, a ser 
		‘senso-comum’. A lusofonia, apesar de actualizar o passado colonial e 
		protelar o imaginário imperial, não é incomodativa porque se revestiu de 
		um discurso arejado, menos chato do que a celebração dos descobrimentos, 
		ainda que dela se alimente.5 E a retórica da interculturalidade - como a 
		Expo 98, o Ano Europeu do Diálogo Intercultural em 2008 e outras 
		efemérides - dá-nos a sensação de estarmos num espaço que se pretende 
		politicamente correcto e preocupado com as questões fundamentais aliás 
		de como viver com o Outro. Porém, tal discurso contém os seus perigos 
		quando “manifesta um desejo utópico de retratar a história e as relações 
		entre diferentes comunidades ao nível global, como sendo uma relação sem 
		poder, sem conflito.” (Vale de Almeida, 1998: 237) Ou seja, tende a 
		elidir o processo marcado pelo conflito e pelas relações de poder, 
		retrabalha o passado de forma celebratória e não problematizante.
  
		Precisamos pois de perceber melhor o que está por detrás de todos estes 
		discursos - produzidos de acordo com as políticas e ideologias mais 
		viáveis - no sentido de “evitar a recepção acrítica de tendências 
		particulares, evitando assim que estas sejam apressadamente 
		generalizadas ou universalizadas” (Sanches, 2007: 10), e no interesse de 
		pensar mais pelas dúvidas do que pelas certezas vinculadas na narrativa 
		da História. Refiro-me à lusofonia (discurso oficial e práticas) no 
		enfoque da relação Portugal / países africanos de língua portuguesa. O 
		caso do Brasil (na sua dimensão continental) ou terras asiáticas são 
		fenómenos diferentes embora enquadrados na mesma lógica.
  A 
		designação de PALOP, uma vez mais, é também um abstracto conjunto 
		resultante da cartografia imperial. Sabemos bem como estes países 
		visados contêm no seu seio inúmeras particularidades, já internamente 
		vítimas da hegemonia contra as suas outras nações dentro do conceito de 
		Estado-Nação. E note-se que, neles, a língua portuguesa foi uma 
		ferramenta que “devia servir para produzir novas nações (e não apenas 
		novos países) criando identidades unificadas contra etnicidades 
		precedentes. A língua portuguesa não era uma língua nacional mas uma 
		língua de unidade nacional.
  “laços” lusófonos 
		 Do outro lado da moeda, alguns comportamento de alguns portugueses 
		que vivem em países africanos são, também eles, similares aos dos de 
		outros tempos: vivem igualmente a sua cultura de gueto, no eixo 
		casa-jipe-empresa, vão a praias vigiadas, frequentam meios 
		privilegiados, tratam por “locais” os africanos e perpetuam na sua cor 
		de pele as conotações económicas. Alguns portugueses vivem por ‘lá’ mas 
		em constante desconfiança, cheios de preconceitos sobre o ‘cenário’ à 
		volta, numa pose neo-colonial mas mais tímida e discreta, sem lhes ser 
		permitido fazer certas afirmações no espaço que já não é o “seu”, mas do 
		qual ainda se julgam donos, reivindicando (compreensivelmente) uma 
		herança familiar e histórica que ainda pesa nas suas apreciações e 
		fruição do vasto espaço africano. Às vezes, também pesa na consciência, 
		e então tornam-se condescendentes com tudo, culpando o colonialismo e as 
		relações do passado de todos os males actuais, à la Kadafi. Outras 
		vezes, com um riso cínico da incapacidade dos africanos se 
		auto-organizarem. Porém, em nada África lhes é indiferente: o fascínio 
		da pureza, do sangue, a disfuncionalidade, a doença, a infantilidade, o 
		desgoverno e o caos são coisas que atraem e fazem proliferar ong’s com 
		legiões de jovens ocidentais numa pretensão ‘altruísta’ nas mesmas bases 
		da missão evangelizadora do tempo colonial.
  Entre as várias 
		atitudes nas formações discursivas em relação a África, como assinalou 
		Ana Mafalda Leite (2003: 23), contam-se a paternal (com resquícios 
		coloniais, encarando o outro com distância e tolerância), a deslumbrada, 
		a adesão incondicional (quase acrítica), e a solidária, que faz a ponte 
		com o passado (somos todos inocentes, partilhámos a história passada), 
		de alguma forma ligada à lusófona, no que tem de “versão democrática de 
		como o encontro dos portugueses com os outros povos foi diferente dos 
		outros, e de como esses povos têm saudades do nosso convívio” (Ana 
		Barradas, 1998: 232).
  Mais uma vez, essa visão de excepção 
		subjacente ao colonialismo português está presente nas retóricas bem 
		intencionadas do encontro ou partilha de culturas, tendo de ser 
		questionada na sua veracidade e na sua origem para que o “cinismo de 
		Estado” não disfarce as realidades quotidiana promoção de lusofonia.
  
		Apesar do discurso aparentemente empenhado da lusofonia, na realidade 
		não existe verdadeiramente uma consciência lusófona, não há lóbi 
		lusófono na ONU ou na OMC (pelo menos se compararmos com a francofonia), 
		nem tem assim tanta coesão, nem no plano económico nem político. Nem em 
		termos de identidade: quase nenhum africano ou brasileiro se afirma 
		enquanto ‘lusófono’ (só ouço portugueses falarem disso).
  O que 
		une os “lusófonos” afinal hoje em dia, que ‘potencial’ é este para o 
		qual devemos encontrar uma estratégia de consolidação? Será então a 
		partilha de cultura: conhecimento das histórias e literaturas uns dos 
		outros, gostos culinários, musicais, o futebol? 
		 Se assim for, a dúvida persiste no que toca à estratégia dos 
		promotores da lusofonia, uma vez que o desinteresse é a tónica dominante 
		nas várias áreas de expressão. Como questionava Kalaf numa crónica do 
		Público: “Será que nos interessamos realmente pela lusofonia? Ou este é 
		um conceito que serve tão-só a maquinação mediática? O Brasil, 
		aparentemente, pouco se importa com a actualização deste 
		luso-qualquer-coisa e Angola está a seguir o mesmo caminho.”
  Este 
		desinteresse provirá talvez do facto das práticas também remontarem ao 
		passado. Os agentes de promoção da lusofonia ainda funcionam como centro 
		cultural na ‘metrópole’ que subsidia os vários representantes no terreno 
		sem qualquer noção das realidades desses países, sem estratégia conjunta 
		de programação, etc. O espaço lusófono acaba por ser a tal “bolha onde 
		tudo é possível e tudo se consome”, retomando a ideia de Lívia Apa, “um 
		mundo criado pelo ‘laço’ da língua portuguesa, dentro do qual os 
		escritores transitam, se movem, trocam visitas, falam, escrevem, são 
		lidos, mas fora do qual eles próprios não conseguem encontrar o seu 
		lugar, como se fossem até incapazes de ter acesso ao que acontece fora 
		da lusofonia.
  Por exemplo, os escritores africanos leem pouco 
		os outros africanos não lusófonos.”
  O fechamento para outros 
		espaços como reflexão cria essa bolha de protecção nas rédeas de um 
		circuito fechado e alienante. O facto da produção literária passar pelo 
		mercado português para ser legitimada (o cânone produzido de forma 
		exógena), e nessa obrigação ter como porta de acesso o ‘exótico’, a 
		única permitida pois o mercado sabe bem fazer rentabilizar a 
		‘diferença’, por vezes condiciona a própria forma de escrever (como se 
		se escrevesse para português ler), praticando uma tradução cultural de 
		si-mesmos. Os escritores africanos pouco lidos nos seus países de origem 
		são-no mais na Europa, onde há mais leitores, e também aqui pode pôr-se 
		a hipótese, como avançou Inocência Mata, de uma reedição da política do 
		assimilacionismo cultural e de continuidade do império na cultura. 
		(Mata, 2007: 288)
  A língua portuguesa era o suporte do Império e 
		hoje é o suporte da lusofonia no que concede de possibilidade de 
		universalismo. Para reforçar esta partilha há que promove-la, o que não 
		tem mal nenhum se não se partisse do princípio de que cabe aos 
		portugueses o controlo da língua portuguesa. Desta forma, escreve 
		Alfredo Margarido (2007), “a língua deixaria de ser um instrumento capaz 
		de ser utilizado por qualquer grupo ou mesmo indivíduo, pois seria não 
		só a criação mas sobretudo propriedade dos portugueses. Se partirmos do 
		princípio que a língua pertence àqueles que a falam, regista-se uma 
		profunda autonomia dos locutores de português. Se esperamos que a língua 
		continue a expandir-se, devemos em contrapartida refrear o instinto de 
		dominação que continua a marcar a sociedade portuguesa.” Veremos agora 
		em relação ao novo acordo ortográfico o que vai mudar neste capítulo, 
		bem presente nas vozes mais conservadoras deste debate.
  É como se 
		a língua, o património dos falantes de português, fosse o último 
		território que ficou por descolonizar, como sugeriu o escritor timorense 
		Luís Cardoso no colóquio acima referido.
  Mas só que quem está a 
		dar cartas desta vez, num processo autofágico de pegar na norma e 
		subvertê-la, ao contrário do colonialismo linguístico pretendido, são 
		outros: “reinventamos o português, os tugas a aprenderem connosco, somos 
		colonos desta vez” rapa o angolano Kheita Mayanda no tema “É dreda ser 
		angolano”. E é equacionando estas variantes todas do português, com 
		muitos mais falantes e criatividade, sem sobreposição da norma do 
		suposto ‘centro’ da língua, que a língua portuguesa se enriquece.
  
		A música poderia ser a excepção, onde o discurso do “espaço lusófono” 
		faria algum sentido uma vez que, desde o séc. XV, tem sido um elemento 
		de fortes trocas culturais percebendo-se a saudável contaminação dos 
		ritmos e conhecimento das origens da música nos vários países de língua 
		portuguesa. Exemplos: o fado que é da família do lundum e da morna; a 
		curiosidade dos cantautores de intervenção portugueses pelas sonoridades 
		da música africana e brasileira; a partir dos anos 90, a alavanca de 
		projectos como Rap Mania ou Kussondolola (que fez a ponte com África na 
		cultura jovem) e, hoje em dia, inúmeras bandas de fusão. A música que 
		circula na cultura urbana recupera o semba, mornas, e apresenta imensos 
		pontos de contacto entre as várias culturas.
  Apesar da lusofonia 
		musical ser uma realidade constatada, mais uma vez o próprio projecto 
		lusófono se desintegra na prática. As produtoras portuguesas andam a 
		dormir. No filme Lusofonia, Sons da (R)evolução os músicos e agentes 
		musicais lamentam a falta de investimento nacional e terem de recorrer a 
		editoras não portuguesas (sobretudo francesas e holandesas, no caso das 
		cantoras Lura, Cesária Évora, Sara Tavares, Mariza) com melhores 
		condições, da gravação à promoção passando pelos prémios. As editoras 
		portuguesas estão desatentas à fonte inesgotável de boa música da noite 
		afro-lisboeta, não acreditam e não cuidam do seu ‘património 
		linguístico’ - a música em língua portuguesa ou crioulo em muitos casos 
		- como mercado de confluência de culturas. Por complexos, falta de 
		visão? De vez em quando descobrem incríveis fenómenos como o kuduro 
		progressivo, caso dos Buraka Som Sistema. Mas mesmo assim, o kuduro, 
		sobretudo o original e dos guetos, é subaproveitado no seu potencial: 
		“se fosse de Berlim, Nova Iorque ou Londres o kuduro era uma música do 
		mundo” diz, no mesmo filme, o crítico Vítor Belanciano. 
		 Nas artes plásticas parece que a maioria das abordagens vão de 
		encontro a um espírito que cristalizou uma ideia de arte africana, 
		tradicional e ao gosto dos africanistas. Ou para satisfazer um mercado 
		ávido de naif e novos primitivismos, bastante condescendente e que 
		sobrevaloriza os contextos dos artistas em relação à sua arte. De vez em 
		quando há iniciativas que reflectem uma visão contemporânea e introduzem 
		uma série de questões ligadas às teorias pós-coloniais, mas colocam 
		sempre o enfoque na tal devolução da imagem de um centro: os vestígios 
		dos portugueses em África, ou como os africanos vêem os portugueses cá, 
		ou os descendentes de colonizados descobrem as suas origens, etc. Outros 
		eventos passam à margem da aglomeração lusófona (e do próprio meio 
		artístico português).
  Estes exemplos de má promoção da lusofonia 
		acabam por convergir na ideia de que não se tem investido a sério neste 
		espaço, cuja sustentação não é desinteressada. Os laços criados entre as 
		culturas destes países existem naturalmente nas histórias de vida, a 
		maioria delas empurradas pela realidade anterior de criação de colónias, 
		que leva agora a que se emigre para o sítio de onde esses que as 
		povoaram partiram (e outros, no fluxo contrário, partem à procura do el 
		dourado do investimento em África), ou por questões de guerra, economias 
		desmembradas, desemprego, estudo, desamor, ou mil razões que fazem as 
		pessoas circular para realidades nem sempre acolhedoras, mas que 
		proporcionam a recriação da sua identidade. A herança da história 
		trágico-marítima foi transformada em discursos sobre ‘pontes’ e laços 
		culturais, depois de uma vez se terem criado pontes aéreas para fugir da 
		insustentabilidade de uma situação ideológica que eram as colónias. E 
		toda essa partilha que se pretende efectiva actualmente, é também ela 
		ideologicamente questionável, com interesses e práticas que insistem nos 
		mesmos termos e dados do jogo.
  É preciso auto-reflexividade para 
		estancar a reprodução dos mitos do antigamente.
  Questionar as 
		bases deste modelo e defesa da lusofonia poderá ser um princípio para 
		uma mudança de paradigma: interessa lidar com subjectividades e 
		particularidades, contextualizando de onde vêm estas relações, e não com 
		abstractos conjuntos de países que, além da língua e de episódios 
		históricos, não se revêem necessariamente nesse bonito retrato de 
		família que Portugal quer passar e do qual faz uso sempre que lhe 
		convém.
  Publicado na revista Jogos Sem Fronteiras, edições 
		Antipáticas 
		  
		  
		 A CPLP na agenda e no 
		discurso brasileiros 
		 Na última semana de setembro de 2008 foi firmado pelo Brasil o 
		acordo ortográfico, que uniformiza o uso da linguagem entre os países de 
		língua portuguesa. Quase ao mesmo tempo, poucos dias depois, a maior 
		companhia brasileira, a Petrobrás, perdeu a concorrência para a Marathon 
		Oil na exploração de petróleo em Angola. Em meados de outubro, em viagem 
		a Moçambique, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se de que 
		um projeto para construção de uma fábrica de remédios contra Aids/Sida, 
		prometida desde 2003, ainda não estava em execução.
  No primeiro 
		caso, tratava-se de um projeto de antiga origem que encontrou 
		dificuldades dos dois lados do oceano Atlântico, embora já tivesse sido 
		acordado desde dezembro de 1990. Certamente, como diz o embaixador de 
		Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, "este acordo pode ser 
		considerado estratégico, já que uma escrita comum vai permitir que o 
		português seja uma língua internacionalmente reconhecida"13. No segundo, 
		a derrota deveu-se, provavelmente, à maior eficiência das políticas 
		implementadas pelo governo chinês em continente africano, embora com 
		presença naquela parte do mundo há poucos anos, muito menos, portanto, 
		do que a presença brasileira, não apenas nos países de língua 
		portuguesa, mas também em outros Estados, como Nigéria, Senegal, etc. Já 
		no terceiro caso, a culpa pelo fracasso da iniciativa era da própria 
		inoperância das instâncias brasileiras que, cinco anos depois do que foi 
		prometido, não tinha os recursos liberados pelo Congresso para a 
		construção de fábrica de remédios. (NOSSA, 2008: B4)
  Esses três 
		fatos são, provavelmente, as variáveis mais importantes de 
		relacionamento entre todos os parceiros que fazem parte da CPLP. Um se 
		refere aos aspectos culturais envolvidos, outro diz respeito aos fortes 
		interesses econômicos em jogo, e por último as dificuldades existentes 
		para implementar acordos, ainda que prometidos tempos atrás.
  
		Considerar uma vertente importante, como a identificação cultural e 
		lingüística que vem desde muitas gerações, não significa que isto se 
		traduza em vantagens econômicas e financeiras, embora estejam presentes 
		grandes empresas brasileiras, do porte da Petrobrás, ou de setores de 
		construção civil para a abertura de estradas, feitura de barragens, etc.
  
		O governo brasileiro, com certeza, sempre teve consciência de problemas 
		dessa natureza, inclusive com seus vizinhos mais próximos do próprio 
		continente. Evidentemente, como costuma acontecer, podem ter ocorrido 
		erros de cálculos e interpretações, más avaliações tanto conjunturais, 
		quanto em termos das intenções reais de seus parceiros.
  Contudo, 
		deve-se ponderar, porém, que nem sempre o relacionamento foi pautado 
		apenas visando lucros imediatos. Pode-se dizer que, em termos gerais, as 
		relações externas brasileiras, da mesma forma como se comporta a maior 
		parte dos países do mundo, contemplam as duas facetas: uma em que se 
		espera o retorno, se não imediato, pelo menos depois de um certo tempo, 
		das atitudes tomadas no intercâmbio bilateral ou no envolvimento global 
		nas instâncias regionais e de escopo mundial; a outra, em que pouco ou 
		nada se pode esperar dos parceiros e das instituições, mas que nem por 
		isso devem ser negligenciadas, sobretudo quando outras variáveis 
		estiverem presentes, como o histórico dos países envolvidos, os vínculos 
		culturais, os laços afetivos, etc.
  Nesse sentido, a importância 
		concedida pelo Brasil a organismos como a CPLP tem sua razão de ser. Por 
		isso, mereceu atenção especial desde a década passada, quando se 
		constituiu a própria entidade. Na realidade, a proximidade brasileira 
		com todos os países de língua portuguesa com freqüência recebeu atenção, 
		ainda que nem sempre estivesse na linha de frente da pauta do Itamaraty. 
		No entanto, pode-se afirmar que a importância concedida pelo Brasil à 
		CPLP é proporcional a que a mesma desfruta no cenário internacional. Não 
		é apenas em relação a CPLP como instituição, mas com todos os países que 
		a compõem, a não ser em momentos específicos.
  Nas últimas 
		décadas, pode-se lembrar o vínculo mais estreito, por exemplo, do Brasil 
		com Portugal no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira e, em outras 
		ocasiões, com Jânio da Silva Quadros ou Humberto de Alencar Castelo 
		Branco, quando se aventou a possibilidade de formação de uma comunidade 
		luso-afro-brasileira. No governo de Ernesto Geisel, o reconhecimento de 
		Angola e Moçambique em 1975 foi sinal de aproximação com esses países, 
		sob a ótica do pragmatismo responsável. Outros momentos parecidos 
		aconteceram com José Sarney e Itamar Franco antes de ser firmada a carta 
		de criação da CPLP sob o mandato de Fernando Henrique Cardoso.
  
		Não se deve, porém, presumir que a atenção concedida a esses países se 
		assemelha ao papel exercido por outros como Argentina, Estados Unidos, 
		Japão, Reino Unido, Alemanha ou França além de nações emergentes como a 
		China, Rússia, Índia e África do Sul. Além da retórica de países irmãos 
		unidos pela história, os indicadores entre Brasil e CPLP estão aquém do 
		que se poderia considerar relações privilegiadas. Dados apresentados em 
		trabalho recente, indicam claramente as preferências brasileiras para 
		três grandes países: África do Sul, Angola e Nigéria. É o que se poderia 
		chamar igualmente de parcerias seletivas no continente africano. 
		(RIBEIRO, 2007: 172-195).
  Não se pode afirmar, contudo, que a 
		CPLP não tem importância para a política externa brasileira. Desde sua 
		criação, a CPLP pode ser entendida como um grupo que pode, em momentos 
		variados, dar substancial apoio às pretensões brasileiras em nível mais 
		geral. Mas não se pode, também, negligenciar o papel que o país procura 
		exercer junto a essa comunidade, como aquele que tem maior projeção e 
		capacidade internacionais.
  Ou seja, a presença do Brasil na CPLP 
		pode ser vista sob duas perspectivas: de um lado, no uso da mesma para 
		projetar os interesses brasileiros no exterior, ou seja, uma 
		instrumentalização feita pela política externa brasileira, visando 
		maximizar o uso de todos os recursos possíveis existentes, inclusive 
		para ocupar espaços maiores do que outros países junto às nações que 
		fazem parte da comunidade; por outro lado, pode-se, igualmente inferir 
		que, apesar do "pragmatismo" de sua política externa, o Brasil também 
		pensa em termos de atuação conjunta da CPLP para atender interesses 
		globais que não seriam possíveis de se obter individualmente. 
		 Quando se formou a entidade, o governo brasileiro manifestava 
		claramente a simpatia pela iniciativa, e pela necessidade de se 
		configurar um espaço maior para aqueles que tinham muitas 
		identificações, e que não poderia, certamente, ser melhor sucedida se o 
		Brasil dela não fizesse parte, já que é o maior deles, com relativo peso 
		na arena internacional.14
  Os esforços do ex-ministro da Cultura e 
		ex-embaixador brasileiro em Portugal José Aparecido de Oliveira são 
		amplamente reconhecidos como fator fundamental para que a empreitada 
		fosse coroada de êxito pelo menos para sua criação. Em depoimento 
		prestado anos depois, o embaixador assim se referiu à entidade:
  
		Pudemos reunir em São Luís do Maranhão os Presidentes dos países 
		lusófonos, criando o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, 
		primeiro passo da CPLP e do aprofundamento das relações futuras. Quando 
		o Presidente Itamar Franco chegou ao governo, conhecia as iniciativas 
		anteriores e lhe fiz o relato da situação. Convidou-me, então, para 
		representar o Brasil em Lisboa e encetar conversação em busca de uma 
		aliança diplomática formal entre nós e os países de expressão 
		portuguesa. Como era comum na diplomacia do passado, fui enviado a 
		Lisboa com uma missão multilateral, e o fiz, como sempre agimos os 
		mineiros: com lealdade, transparência e respeito absoluto aos nossos 
		parceiros. Cumpri, com espírito de missão, o meu dever. Ao deixar 
		Lisboa, no fim do honrado mandato do Presidente Itamar Franco, estavam 
		firmes os pilares da CPLP.(OLIVEIRA, 2002:26) 
		 Mas, mostrava, igualmente, nessa mesma oportunidade, ressentimentos 
		sobre a forma como o Itamaraty se comportava em relação aos países de 
		língua portuguesa, especificamente no caso dos graves problemas 
		enfrentados por Timor.
  Estamos dando, nestes dias, uma prova 
		concreta dos nossos ideais, com a nossa presença em Timor Leste. Devo 
		recordar a firmeza do Presidente Itamar Franco, ao chegar a Lisboa, como 
		embaixador, na defesa da independência daquele povo irmão. Suas 
		palavras, asseguradas pela autonomia moral na representação dos 
		interesses permanentes e das razões morais de nosso país, não foram 
		recebidas com o devido respeito por setores petulantes da burocracia do 
		Itamaraty. Não fosse essa sua intervenção corajosa e transparente e não 
		teríamos, como tivemos, um brasileiro com o mandato das Nações Unidas 
		para conduzir os atos da transição em Timor. (OLIVEIRA, 2002: 27)
  
		Esse depoimento comprova, sem deixar margens a dúvidas, o envolvimento 
		do embaixador Oliveira na criação da CPLP, mas deve ser visto sob uma 
		ajustada lente. Em primeiro lugar como ressalta, a lealdade entre 
		mineiros. Tanto ele como o presidente Itamar Franco são do estado de 
		Minas Gerais e antigos militantes do mesmo partido, daí os vínculos 
		estreitos existentes entre ambos, um dos motivos pelos quais foi 
		convidado a ocupar a Embaixada em Lisboa e ter sido ministro da Cultura. 
		Em segundo lugar, o fato também de o próprio presidente Itamar Franco 
		ser nomeado depois para a mesma Embaixada, assim que deixou o Palácio do 
		Planalto. Como ambos eram externos ao corpo diplomático, e no caso de 
		outros parecidos, o Itamaraty nunca viu com bons olhos a nomeação de 
		políticos, portanto, pessoas fora da instituição, para representar e 
		falar em nome do país, ainda que em uma representação diplomática de 
		menor porte, que não faz parte do circuito Elizabeth Arden, mas situada 
		em território europeu e sempre alvo de demandas por parte dos 
		embaixadores.
  Pode-se entender, portanto, a pouca receptividade 
		concedida pelo Itamaraty à atuação sobretudo do ex-presidente Itamar 
		Franco, inclusive pelas suas peculiaridades e falta de vocação para 
		desempenhar tal cargo. Por outro lado, pode, também, indicar que países 
		menores, com pouca expressão, apesar das denúncias sobre direitos 
		humanos, que colocavam o Timor na agenda diária internacional, não 
		valiam, segundo a concepção do Ministério das Relações Exteriores, 
		investimentos maiores, já que os retornos seriam extremamente reduzidos 
		ou muito modestos, não só naqueles dias, mas ao longo do tempo. Claro 
		que na retórica do discurso diplomático, sempre mereceram importância, e 
		foram objetos de convênios culturais, científicos, educacionais, mas 
		restringindo-se a poucas áreas, e com recursos limitados.
  
		Independentemente de quais foram os inspiradores para a concretização da 
		CPLP, como já discutimos anteriormente, além do mais isso pouco importa, 
		o momento em que a entidade foi criada já trazia em seu cerne, as 
		primeiras dificuldades. Embora tenha sido formalizada no governo de 
		Fernando Henrique Cardoso em 17 de julho de 1996, depois de um longo 
		processo de maturação que vinha já desde 1989, com a reunião em São Luís 
		do Maranhão, a realidade é que as opções de inserção brasileira 
		privilegiavam claramente outros vetores, que não os dos países 
		secundários do sistema mundial. Isto era de todos conhecido, ainda que 
		em termos de discurso expresso, por exemplo, pelo então chanceler Luiz 
		Felipe Lampreia, a CPLP fosse considerada de extrema importância.
  
		Na recepção oferecida pelo seu colega Jaime Gama, Ministro dos Negócios 
		Estrangeiros, em 4 de dezembro de 1996, em Lisboa, o chanceler 
		brasileiro afirmava que:
  "A CPLP haverá de ser um instrumento de 
		cooperação, entendendo a concertação entre os países africanos de língua 
		oficial portuguesa, o Brasil e Portugal, sem qualquer veleidade de 
		hegemonia, mas com um espírito construtivo e a determinação de ocupar um 
		espaço condizente com o peso específico da própria comunidade". 
		(LAMPREIA, 1999: 134) 
		 Pouco depois, no primeiro aniversário da entidade, repetia falta 
		parecida, em 17 de julho de 1997, quando da abertura da Conferência 
		Ministerial da CPLP em Salvador - Bahia.
  "Ao realizar esta 
		reunião aqui em Salvador, quisemos significar, sem ambigüidade, o quanto 
		estamos empenhados em fazer da CPLP, de forma gradual, mas efetiva, uma 
		realidade diplomática, uma força a favor de todos nós, que nos ajude a 
		melhor projetar e defender, na base do consenso, os nossos interesses 
		internacionais comuns". (LAMPREIA, 1999: 160)
  Aqui pode-se 
		adicionar um pequeno comentário. Se algo existe na arena mundial, é 
		justamente a falta de coincidência de interesses comuns entre os países 
		de língua portuguesa, além, certamente, dos esforços para viabilizar o 
		idioma como oficial no âmbito da Organização das Nações Unidas. No mais, 
		cada um sempre agiu à sua própria maneira e às custas de seus próprios 
		esforços, ou dentro das organizações às quais pertencem no plano mais 
		próximo, principalmente geográfico.
  Por isso, possivelmente, 
		pode-se entender os poucos esforços realizados tanto por Brasil, quanto 
		por Portugal, os dois maiores da comunidade, e que foram assim 
		entendidos por Mario Soares, anos depois. Aliás, é comum tanto nos 
		discursos oficiais, quanto na própria produção acadêmica sobre a CPLP, a 
		menção ao fato de os países membros pertencerem simultaneamente a várias 
		outras organizações, o que tornaria possível ampliar a projeção dos 
		interesses dessa comunidade, e que não necessariamente corresponde à 
		verdade dos fatos.
  Na abertura dos trabalhos da ONU, em setembro 
		de 1996, o ex-chanceler chamava atenção para a existência (e os limites) 
		da CPLP.
  "Pela primeira vez, Angola, Brasil, Cabo Verde, 
		Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe comparecem à 
		Assembléia Geral das Nações Unidas organizados na Comunidade dos Países 
		de Língua Portuguesa, voltada para a cooperação e a coordenação 
		política. Em consulta e de forma concertada, os países membros da 
		Comunidade esperam atuar com maior intensidade nas Nações Unidas, para 
		melhor promover os seus interesses comuns e projetar a identidade 
		lingüística, cultural e histórica que os une". (LAMPREIA, 1996: 611)
  
		E mais não disse. Enquanto o espaço dedicado à CPLP ocupou oito linhas 
		de seu discurso, em uma mera formalidade, o MERCOSUL, em contrapartida, 
		preencheu o dobro, exatamente 16 linhas de sua fala. 
		 No outro ano, em 1997, a única menção foi sobre o caso de Angola, 
		quando disse que "O Brasil, no exercício da presidência da Comunidade 
		dos Países de Língua Portuguesa, exorta a comunidade internacional e 
		particularmente os países que integram o Conselho de Segurança a exercer 
		uma vigilância atenta e severa sobre o processo de paz em 
		Angola".(LAMPRÉIA, 1997: 630)
  Enquanto ocupou o cargo de 
		chanceler, Luiz Felipe Lampreia pronunciou-se mais três vezes, abrindo 
		as sessões de trabalho das Nações Unidas. Em 1998 e 1999 referiu-se 
		ainda aos casos de Angola e Timor, e, lateralmente, à CPLP. Já em sua 
		última participação mencionou os dois casos, mas de formas diferentes: 
		em Timor, para dizer que ali se desenhava um novo Estado, sob a 
		liderança de Sérgio Vieira de Mello; sobre Angola, para denunciar a 
		persistência do conflito, no que considerava uma "resistência 
		inaceitável da Unita em obedecer às decisões e aos direitos 
		internacionais". (LAMPREIA, 2000: 674-675) Neste último ano, a CPLP já 
		havia desaparecido de seu discurso.
  Nas duas últimas sessões da 
		Assembléia Geral da ONU, sob o mandato de Fernando Henrique Cardoso, a 
		CPLP perdeu definitivamente seu espaço, quando o próprio presidente lá 
		compareceu e pronunciou o discurso de abertura em 2001, fazendo 
		brevíssima menção ao Timor Leste, enquanto em 2002, o novo chanceler 
		Celso Lafer apenas lembrou Angola brevemente.
  Nas obras 
		publicadas fazendo um balanço de suas gestões frente à Chancelaria, 
		tanto Luiz Felipe Lampréia quanto Celso Lafer, além das menções feitas 
		anteriormente, quando reproduzem os discursos, deixaram completamente de 
		lado a existência e a importância da CPLP. (LAMPREIA, 1999; LAFER, 2002)
  
		O presidente Fernando Henrique Cardoso, que ocupara a Chancelaria no 
		governo de Itamar Franco no começo da década de 90, tinha uma percepção 
		bastante precisa do contexto internacional. Assim, em pelo menos duas 
		ocasiões dizia o que entendia pelo mundo em construção, o novo mundo 
		globalizado, interdependente, mas também muito competitivo. Na primeira, 
		em conferência pronunciada em Nova Delhi, em janeiro de 1996, portanto, 
		no mesmo ano de criação da CPLP, enfatizava que o novo contexto "tem 
		levado a uma acirrada competição entre países - em particular aqueles em 
		desenvolvimento - por investimentos externos". (CARDOSO, 1997: 7) Um mês 
		depois repetiu os mesmos argumentos, em nova palestra, desta vez na 
		cidade do México, em 20 de fevereiro. 
		 
		(CARDOSO, 1997: 20)
  
		Certamente para o presidente Cardoso, os países em desenvolvimento 
		capazes de oporem-se aos grandes eram os do porte da Índia, África do 
		Sul, China. É o que seria chamado depois de parcerias seletivas, nas 
		quais, automaticamente, estariam excluídos países com pouca expressão ou 
		nenhuma capacidade de agregar competências para transformar o mundo, ou 
		de atender as necessidades da política externa brasileira em termos de 
		projeção de poder.
  Sob esse prisma, as nações de língua 
		portuguesa obviamente não se enquadravam dentro das prioridades 
		brasileiras, e que pudessem auxiliar na inserção mais favorável do país 
		no mundo. Nada de estranho que assim tivesse se comportado a política 
		externa brasileira. Em uma conjuntura completamente distinta daquela que 
		marcara o mundo durante quase quatro gerações, o governo entendeu que se 
		devia fazer opções para enfrentar tal quadro.
  Nesse novo mundo 
		que emergia, e onde se percebia que poderia haver espaços para países 
		como o Brasil e outros, vistos como potências emergentes, partiu-se do 
		claro entendimento de que, nesse contexto multilateral e competitivo, 
		apenas poucos seriam chamados a jogar papel de maior relevo. Por isso, 
		ao Brasil pouco representava vínculos mais estreitos - com fortes 
		investimentos - cujos resultados não pudessem auxiliar em sua trajetória 
		ascendente. Comportamento semelhante já era observado no governo de 
		Fernando Collor de Mello, nos inícios da década de 90, quando claras 
		opções foram feitas privilegiando as grandes nações industrializadas, 
		mormente no que tange ao governo da Casa Branca.
  Se, com Itamar 
		Franco, os países de língua portuguesa ocuparam espaço maior, não era, 
		contudo, tendência a ser seguida nos últimos anos na virada do século. 
		Por isso, os grandes países, as nações emergentes e o Mercosul - em 
		função de suas particularidades e proximidade geográfica - receberam 
		prioridade cada vez maior. Certamente isto tudo não se converteu nos 
		resultados esperados, pelo menos com a ênfase que se poderia desejar. 
		Mas, por outro lado, isto pode ser creditado a pelo menos dois fatores. 
		O primeiro é que quando se opta por determinada linha de atuação 
		internacional, o governo vê a formulação e implementação da política 
		externa por seu lado, esperando que tudo corresponda às suas 
		expectativas, embora saiba que não controla nem a vontade dos parceiros, 
		nem a conjuntura internacional. Em segundo lugar, as bruscas mudanças, 
		tanto internas quanto do cenário mundial, dificultam que suas 
		expectativas sejam coroadas de êxito. Como são variáveis incontroláveis, 
		a formulação da política externa pode ter boa margem de acerto se o 
		cenário for durante certo tempo estável, não sofrendo, portanto, grandes 
		oscilações.
  Têm sido muitos os que discordam dos rumos da 
		política externa nos últimos anos.15 Deve-se ponderar, entretanto, que 
		decisões têm de ser tomadas em prazo relativamente curto, de acordo com 
		a avaliação que o grupo que está no poder faz de seu projeto, do que 
		pode esperar de seus parceiros e das conjunturas doméstica e 
		internacional. Assim, quando a política externa está sendo pensada e 
		executada, os erros de cálculo certamente vêm à tona e inibem os 
		resultados esperados pelos formuladores nacionais.
  Sob esse ponto 
		de vista, também tem sido numerosos os equívocos tomados pelos 
		responsáveis por essa área no país. Adicione-se a isso, as próprias 
		divergências entre os decisores da política externa nas mais distintas 
		esferas ou de proximidade com a Presidência da República. Essas 
		diferenças de opinião têm sido observadas ao longo do tempo, quando uma 
		instância próxima ao Presidente assume uma postura, depois reformulada 
		pela chancelaria, por exemplo, que busca explicar melhor o que se deve 
		entender pelo tema ou como o país defenderá suas posições nas arenas 
		internacionais. Não tem sido poucas as vezes em que o próprio presidente 
		Lula tem emitido opiniões com pouco ou nenhum respaldo sobre temas 
		internacionais e realidades que desconhece. Outras vezes, o próprio 
		Ministério das Relações Exteriores não tem correspondido às expectativas 
		quanto às suas escolhas e formas de agir. Tudo isto, entretanto, 
		depende, também, de qual seja o projeto que o grupo no poder vislumbra 
		para si e para o país.
  Destarte, as opções feitas pelo governo de 
		Fernando Henrique Cardoso são, em certa medida, bastante distintas das 
		tomadas por seu sucessor, sobretudo no que diz respeito à importância do 
		papel desempenhado pelos países de menor projeção em termos de poder 
		global.
  Da mesma forma em que as opções feitas por Fernando 
		Henrique Cardoso passaram a ser intensamente criticadas após o mesmo 
		deixar o poder, e mesmo no cargo, acusado de "entreguismo" e adesão 
		indiscriminada ao modelo neoliberal, seu sucessor igualmente sofreu 
		várias críticas. Entre essas, podem ser citados desde o perdão da dívida 
		aos países latino-americanos e africanos, ao reconhecimento da China 
		como economia de mercado não recebendo contrapartida que fizesse jus à 
		sua generosidade. Outros fracassos podem ser mencionados, quando o país 
		sofreu derrotas em oportunidades diversas, por exemplo, quando concorreu 
		aos cargos de direção geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), 
		lançando o nome do embaixador Luis Felipe Seixas Correia e para a 
		presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com João 
		Sayad, para ficarmos nos dois mais expressivos.
  As visitas de 
		Lula ao continente africano mostram em princípio que, além das boas 
		relações com as grandes potências e com os países emergentes, foi 
		possível dar atenção, não deixando de lado aqueles que pouco poderiam 
		oferecer ao país, pelo menos em termos imediatos. A criação de 35 novas 
		representações diplomáticas no governo Lula, sendo 15 em território 
		africano, deixa bem claro a importância concedida aos PEDs (MARIN, D.C., 
		2009). Mesmo no Cone Sul, o Palácio do Planalto tem mantido o que no 
		jargão diplomático se convencionou chamar de "paciência estratégica", 
		fundamentalmente com a Casa Rosada.
  A atenção concedida aos 
		países africanos e da CPLP pode ser vista em algumas oportunidades nos 
		últimos anos. Por ocasião do V Encontro da entidade, realizado em São 
		Tomé e Príncipe, no final de julho de 2004, quando reuniu os 
		representantes de cada nação, o governo brasileiro chegou mesmo a 
		financiar o evento doando 500 mil dólares, além de infra-estrutura de 
		comunicação e material de informática, que depois ficariam lá. Na VII 
		Cimeira realizada em julho de 2008, em Lisboa, para divulgar a língua 
		portuguesa, deu-se ênfase na dinamização do Instituto Internacional de 
		Língua Portuguesa, com o governo brasileiro prometendo empenho e 
		realçando a importância desse fato. Outros elementos podem, ainda, ser 
		arrolados, como a iniciativa brasileira de propor acordos do Mercosul - 
		tendo já obtido aval de seus parceiros - com a CPLP, excluindo Portugal, 
		para favorecer intercâmbios econômicos e facilitar a importação de 
		produtos dos membros da entidade.
  Nesse quadro, a atenção 
		concedida pelo Brasil à CPLP no governo de Lula atendideu de maneira 
		satisfatória a histórica conduta da política externa brasileira que 
		privilegia a cooperação em detrimento do conflito.
  No atual 
		desgoverno Bolsonaro, a incompetência e o pouco caso tem vindo a 
		liquificar todo o esforço de Lula na consolidação de alianças e de 
		interesses comuns. 
		  
		Da CPLP à Comunidade Lusófona: o 
		futuro da lusofonia 
		 1. Introdução 1 - O 
		encerramento serôdio de um Império que o Estado Novo teimou em manter, 
		mesmo depois do disfuncionamento do Euromundo (sistema no qual esse 
		Império se inseria e encontrava justificação), pôs termo a um 
		relacionamento desigual entre os povos dos territórios por onde tinha 
		passado o movimento expansionista português. 
		 2 - No entanto, o fim desse 
		Império não implicou o desaparecimento dos laços que a História se foi 
		encarregando de criar entre os vários povos dominados e um povo que 
		talvez deva ser definido como um colonizador colonizado, pois nem a 
		descoberta da rota do Cabo nem o ouro do Brasil se revelaram suficientes 
		para Portugal passar a integrar aquilo que é habitual designar como o 
		centro. 
		 3 - Por isso, numa fase em 
		que Portugal já assumira a opção europeia e vários dos países africanos 
		de língua oficial portuguesa experimentavam sem sucesso modelos 
		importados do Leste (o seu ponto de apoio durante a luta pela 
		independência), a palavra ‘Lusofonia’ começou a surgir na língua 
		portuguesa. Aparecimento, aliás, tão tímido que continua por encontrar o 
		seu criador, embora Fernando dos Santos Neves pareça bem posicionado 
		para reivindicar tal direito, até pela oposição que enfrentou e venceu 
		quando quis baptizar como ‘Lusófona’ aquela que hoje é a Universidade 
		Lusófona de Humanidades e Tecnologias, o principal rosto do Grupo 
		Lusófona. 
		 4 - Na realidade, esse 
		vocábulo ainda não surgia na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura 
		(editada pela Verbo em 1963 e actualizada em 1991), no Grande Dicionário 
		da Língua Portuguesa (da Sociedade de Língua Portuguesa, coordenado por 
		José Pedro Machado em 1989), no Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro 
		(da Lello Editores, de 1993), no Dicionário Enciclopédico da Língua 
		Portuguesa (das Publicações Alfa, de 1992) e no Grande Dicionário da 
		Língua Portuguesa (publicado pela editora Amigos do Livro, em 1981). 
		 5 - De facto, a palavra só 
		apareceria (embora sem a indicação do seu criador) mais tarde, no 
		Dicionário Universal da Língua Portuguesa, da Texto Editora de 1995 e 
		cuja terceira edição é de 1998; no Dicionário Etimológico da Língua 
		Portuguesa, Livros Horizonte, 7ª Edição de 1995; e no Dicionário da 
		Língua Portuguesa, 3ª edição, editado pela Editora Nova Fronteira em 
		1999. 
		 6 - O significado do termo 
		‘Lusofonia’ estava longe de ser consensual, porque se algumas vozes como 
		as de Adriano Moreira e Fernando Cristóvão viam a nova palavra como um 
		activo que importava valorizar porque representava um património de 
		ideias, sentimentos, monumentos e documentação comum aos povos por onde 
		passara a expansão e a evangelização portuguesa, também havia quem 
		considerasse que “a criação da lusofonia, quer se trate da língua, quer 
		do espaço, não pode separar-se de uma certa carga messiânica, que 
		procura assegurar aos portugueses inquietos um futuro” [Margarido 
		2000:12], ou seja, a Lusofonia representava uma forma disfarçada de 
		neo-colonialismo. 
		 7 - Santos Neves faria a 
		ponte entre estas duas posições antagónicas, alertando para as enormes 
		potencialidades da Lusofonia, desde que passasse “de mero mito, dúbia 
		ideologia ou vã retórica a um Espaço Lusófono realista”, mas alertando 
		para o perigo de a Lusofonia “não poder ser, mas não estar 
		automaticamente excluído que seja ou se torne, uma visão retardada ou 
		camuflada dos colonialismos políticos, económicos e culturais de antanho 
		(Portugal) ou de agora (Brasil)” [Neves 1999: 65]. 
		 8 - Nessa conjuntura, 
		começou a surgir, ainda que paulatinamente (porque as reminiscências 
		coloniais ainda eram vincadas), uma ideia que apontava para a 
		necessidade de destrinçar a relação política colonizador–colonizado do 
		relacionamento entre os povos e o reaproximar lusófono passou a ser 
		encarado como necessário e desejável. 
		 9 - Assim, passadas pouco 
		mais de duas décadas sobre o encerramento do ciclo imperial português, 
		era chegado o tempo para o “reconhecimento das afinidades que existem 
		entre aqueles que têm a língua portuguesa como língua de comunicação ou 
		de cultura” [Venâncio 1996: 60]. 
		 10 - Não constituiu, por 
		isso, grande surpresa que, em 17 de Julho de 1996, tivesse sido 
		instituída em Lisboa a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 
		(CPLP), através da assinatura da Declaração por parte dos Chefes de 
		Estado de seis dos países-membros (Angola, Brasil, Cabo Verde, 
		Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal) e pelo Primeiro-Ministro de São 
		Tomé e Príncipe, em representação do Presidente da República desse país. 
		 11 - Aliás, talvez seja 
		possível ver nessa assinatura o culminar de um processo que teve como 
		antecedentes próximos os dois Congressos das Comunidades de Cultura 
		Portuguesa, realizados em Lisboa em 1964 e na Ilha de Moçambique em 
		Julho de 1967, e a criação do Instituto Internacional da Língua 
		Portuguesa (IILP) – um desejo materializado em 1989, em São Luís do 
		Maranhão, que assentou numa ideia inicial de Adriano Moreira, proposta 
		em 1988 no Recife, no Instituto Joaquim Nabuco, e reafirmada no discurso 
		de recepção ao Presidente do Brasil, José Sarney, em Lisboa, na 
		Assembleia da República, também em 1988. 
		 12 - Neste processo de 
		institucionalização da Lusofonia, nunca poderá ser esquecida a acção de 
		José Aparecido de Oliveira, um sonhador pragmático que, através do 
		empenhamento pessoal junto do poder político e de uma dinamização da 
		sociedade civil dos vários países lusófonos, conseguiu cravar uma lança 
		na lua [Braga 1999]. 
		 13 - No entanto, a afirmação 
		da comunidade (tanto nos países-membros como nos fora internacionais) 
		tem sido demasiado lenta, como a pouca visibilidade da organização deixa 
		perceber, situação que levou Santos Neves a considerar a CPLP como um 
		nado-morto, embora na esperança que, face à dureza da afirmação, os 
		vários Estados-membros se empenhassem em provar o contrário. 
		 14 - Este ensaio procura 
		compreender o processo que se seguiu à formação da CPLP, tanto no que 
		diz respeito às dificuldades de afirmação como no que concerne às várias 
		alterações estatutárias e, sobretudo, traçar o quadro relativo à 
		situação presente da organização e perspectivar o seu futuro num Mundo 
		globalizado, interdependente e mergulhado numa crise que destruiu o 
		paradigma vigente e dificulta a construção de um novo modelo de 
		relacionamento entre os povos. 
		 15 - Face ao exposto, o 
		artigo procura resposta para a seguinte pergunta de partida: 
		 16 - A passagem da CPLP para 
		uma Comunidade Lusófona servirá os interesses da Lusofonia? 
		 2. A indefinição inicial do 
		projecto da CPLP 
		 1 - Todas as citações dos 
		estatutos têm por base a versão electrónica disponível no sítio oficial 
		da CP (...) 
		 17 - As indefinições no 
		projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa remontam à sua 
		origem porque, embora a designação oficial aponte para uma comunidade, o 
		artigo 1º dos estatutos defende que a CPLP “é o foro multilateral 
		privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação 
		político-diplomática e da cooperação entre os seus membros”1, ou seja, a 
		organização foi instituída como um foro e não com uma comunidade, 
		situação que José Aparecido de Oliveira preferia desvalorizar pois, na 
		sua perspectiva, a CPLP enquadrava-se perfeitamente no conceito de 
		comunidade teorizado por Ferdinand Tönnies no longínquo ano de 1887, na 
		obra Gemeinschaft und Gesselschaft. 
		 18 - Só que Aparecido de 
		Oliveira tinha uma perspectiva de futuro e uma nobreza de espírito e de 
		coração que, infelizmente, estão longe de constituir a regra, mesmo para 
		aqueles que não concordam com a posição de Hobbes, segundo a qual o 
		homem é visto como lobo do homem. 
		 19 - Em nome da primeira 
		dessas qualidades, nunca admitiu publicamente que, tendo consciência da 
		impossibilidade de concretizar na íntegra o modelo que melhor servia os 
		interesses da Lusofonia, aceitara aquilo que a conjuntura tornava 
		possível, na esperança que o futuro lhe concedesse a oportunidade de 
		completar o seu sonho. 
		 20 - Não se tratava de 
		considerar à maneira aristotélica que o óptimo era inimigo do bom, mas 
		tão-somente de reconhecer que, passados tão poucos anos sobre o fim do 
		Império, a CPLP teria obrigatoriamente de representar um processo e não 
		um acto. 
		 2 - Segundo entrevista 
		concedida para a Tese de Doutoramento do autor – vide Pinto 2005: 308. 
		 21 - Afinal, Aparecido sabia 
		bem que, quando assumia que a ideia da CPLP lhe tinha surgido depois do 
		“restabelecimento da democracia em Portugal, uma vez que pretendia 
		ajudar a constituir um espaço de cooperação em que a democracia 
		estivesse sempre presente”2, estava mais no campo do desejo ou da 
		esperança futura do que no âmbito da realidade, como a situação política 
		de vários dos PALOP fazia questão de provar. 
		 22 - A segunda qualidade 
		mandou-o viver num silêncio dificilmente partilhado pela tristeza 
		derivada do facto de a criatura se ter voltado contra o criador, quando 
		viu ser inventado (à última hora e para servir interesses que nada 
		tinham a ver com a CPLP) um critério alfabético que lhe retirou a 
		possibilidade de ser o primeiro Secretário Executivo da CPLP, situação 
		que o seu Brasil natal não viria a corrigir quando lhe coube designar a 
		personalidade que deveria ocupar o cargo entretanto deixado vago por 
		Marcolino Moco. 
		 23 - Na verdade, a CPLP não 
		constava entre as prioridades da política externa do novo governo 
		brasileiro, elemento que se encarregou de prolongar a fase de limbo de 
		uma organização [cf. Chacon 2002: 47] que, desde o início, não fora 
		vista da mesma forma por todos os Estados-membros. 
		 24 - De facto, a 
		hierarquização das prioridades (elemento que consta em anexo) não 
		deixava dúvidas sobre o que cada país desejava com a criação da CPLP, 
		pois Cabo Verde, a Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe 
		elegiam como primeira prioridade o estímulo ao desenvolvimento 
		económico, enquanto Angola e o Brasil colocavam a cooperação 
		técnico-cultural no lugar cimeiro e Portugal privilegiava a concertação 
		político-diplomática. 
		 25 - Voltando ao Embaixador 
		Aparecido de Oliveira, os Estados-membros da CPLP desperdiçaram todo o 
		activo ou capital de entusiasmo militante, de simpatia e de competência 
		sobejamente evidenciado nas suas visitas oficiais para apresentação do 
		projecto (Guiné-Bissau, de 28 de Março a 5 de Abril de 1993; São Tomé e 
		Príncipe, em 27 e 28 de Abril de 1993; Cabo Verde, de 8 a 13 de Maio; 
		Moçambique em 1994) e nas mesas-redondas promovidas para a discussão do 
		mesmo (no Rio de Janeiro, em Outubro de 1993; em Lisboa, em Dezembro de 
		1993; em Luanda, em Janeiro de 1994; em Cabo Verde, na segunda semana de 
		Junho de 1994; um seminário em Maputo, ainda em 1994; finalmente, em 
		Brasília, em 28, 29 e 30 de Outubro de 1994). 
		 26 - Face às indefinições 
		indicadas, não admira que a CPLP fosse praticamente desconhecida, tanto 
		a nível interno dos Estados-membros, como no que concerne à comunidade 
		internacional, designadamente no que diz respeito às integrações 
		regionais de que os vários países lusófonos faziam parte. 
		 27 - Ora, como forma de 
		inverter essa situação, a CPLP foi procedendo a alterações estatutárias 
		que serão objecto de estudo no item seguinte. 
		 3. As principais alterações 
		estatutárias da CPLP 
		 28 - As alterações 
		estatutárias, no que diz respeito ao estabelecimento de novos órgãos, 
		podem ocorrer aquando das Conferências de Chefes de Estado ou de Governo 
		que se realizam, ordinariamente, de dois em dois anos, ou durante os 
		Conselhos de Ministros que acontecem anualmente. 
		 29 - A maior alteração 
		verificou-se logo em 2002, quando Timor-Leste (primeiro país 
		independente do século XXI) foi admitido como membro de pleno direito, 
		situação que levou a que a CPLP passasse a contar com oito membros. 
		 30 - No que concerne às 
		alterações ao nível dos órgãos, na IV Conferência (realizada em 
		Brasília, em 2002) foram estabelecidos como órgãos adicionais da CPLP as 
		Reuniões Ministeriais Sectoriais e a Reunião dos Pontos Focais da 
		Cooperação. Mais tarde, em 2005, o X Conselho de Ministros estabeleceu 
		como órgão adicional o Instituto Internacional de Língua Portuguesa 
		(IILP) e o XII Conselho de Ministros, reunido em Lisboa em Novembro de 
		2007, tomou igual resolução relativamente à Assembleia Parlamentar da 
		CPLP. 
		 31 - Como se constata, dos 
		quatro novos órgãos apenas a Assembleia Parlamentar o é verdadeiramente, 
		pois os restantes três já existiam só que não faziam parte dos órgãos 
		previstos no acto da criação. Aliás, também a nível do Secretariado 
		Executivo se verificou uma alteração, porque o cargo de 
		Secretário--Executivo Adjunto (que tanta celeuma provocara, devido à 
		incompatibilidade de Dulce Maria Pereira com o seu Secretário-Executivo 
		Adjunto, situação que levou à divisão de pastas) terminou na Cimeira de 
		Bissau de 2006, sendo substituído pelo de Director-Geral. 
		 32 - Com estas alterações, 
		sobretudo a última, a CPLP procurou ganhar um maior pragmatismo porque o 
		Director-Geral (a quem compete, sob orientação do Secretário Executivo, 
		a gestão corrente, planeamento e execução financeira, preparação, 
		coordenação e orientação das reuniões e projectos activados pelo 
		Secretariado) não é indigitado por um Estado-membro, como acontecia com 
		o Secretário-Executivo Adjunto, mas recrutado entre os cidadãos 
		nacionais dos Estados-membros, mediante concurso público, pelo prazo de 
		3 anos, renovável por igual período. 
		 33 - Além disso, as reformas 
		indicadas também procuraram resolver as dificuldades decorrentes da 
		necessidade de articulação da cooperação bilateral com a multilateral e 
		o problema daquele que vinha sendo apontado como um elefante branco, o 
		IILP, pois não bastou pintar de cor-de-rosa a casa oferecida por Cabo 
		Verde e recuperada por Portugal para que o IILP tivesse garantido um 
		futuro da cor das suas instalações. 
		 3. Citação feita a partir de 
		uma entrevista concedida ao autor. Vide Pinto 2007: 233. 
		 34 - Como o anterior 
		Secretário-Executivo Luís Fonseca denunciou, “o Instituto terá de ser 
		tomado mais a sério pelos Estados”, pois “não se pode esperar que o 
		Instituto possa ter o desempenho ou protagonismo que seria normal 
		esperar-se de uma organização como essa, se não tiver os recursos – e os 
		Estados têm sido bastante avaros em termos de disponibilização de 
		recursos” 
		 35 - Aliás, parece desejável 
		que, a exemplo daquilo que se verifica para a escolha do Director-Geral, 
		os estatutos do IILP venham a ser objecto de alteração, terminando com a 
		rotatividade para o cargo de Director e cedendo lugar a um concurso 
		internacional destinado a essa selecção. 
		 36 - Para o presente artigo 
		torna-se, ainda, importante salientar uma outra alteração estatutária 
		que se prende com a criação do Estatuto de Observador na II Cimeira na 
		Cidade da Praia em Julho de 1998 e, em 2005, no Conselho de Ministros da 
		CPLP de Luanda, das categorias de Observador Associado e de Observador 
		Consultivo, pois essa criação permitiu uma maior abertura da CPLP. 
		 37 - Assim, logo no XI 
		Conselho de Ministros, reunido em Bissau (Julho de 2006), foi 
		recomendada a atribuição do Estatuto de Observador Associado à República 
		da Guiné Equatorial e à República da Ilha Maurícia, tendo o Senegal 
		recebido esse mesmo Estatuto na Conferência de Chefes de Estado e de 
		Governo, realizada a 25 de Julho de 2008, em Lisboa. 
		 38 - Além disso, outros 
		Estados, como Marrocos, Andorra e Filipinas, já manifestaram o desejo de 
		ascenderem a essa categoria e alguns países, como a Croácia, a Roménia, 
		a Ucrânia, a Indonésia e a Venezuela, colocam nos seus horizontes 
		próximos a obtenção desse estatuto. 
		 39 - No que se refere à 
		criação do estatuto de Observador Consultivo, cujo regulamento foi 
		aprovado pela XIV Reunião do Conselho de Ministros da CPLP (Cidade da 
		Praia, 20 de Julho de 2009), permitiu à comunidade uma maior ligação à 
		sociedade civil, como se comprova pelo facto de quase meia centena de 
		fundações, universidades, institutos, associações e outras instituições 
		representativas dessa sociedade fazerem parte da lista de Observadores 
		Consultivos. 
		 40 - Ainda no que aos 
		Observadores Consultivos diz respeito, o facto de a CPLP ter sede em 
		Lisboa talvez explique que a larga maioria desses Observadores 
		Consultivos também estejam sedeados na capital portuguesa, embora nesse 
		estatuto também se integrem fundações localizadas no Brasil, em Angola, 
		Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Macau. 
		 41 - Talvez fruto desta 
		abertura à sociedade civil e da pressão que esta acaba por fazer junto 
		dos detentores do poder, não foi apenas a nível estatutário que a CPLP 
		evolucionou, pois o mesmo se verificou no que concerne à vontade 
		individual de vários Estados-membros, matéria que será desenvolvida no 
		próximo ponto. 
		 4. As mudanças derivadas das 
		vontades individuais 
		 42 - Em 2009, o Movimento 
		Internacional Lusófono elegeu como personalidade lusófona do ano o 
		Embaixador Lauro Moreira, então chefe da Delegação do Brasil junto da 
		CPLP, uma comitiva numerosa que funciona separada da Embaixada do Brasil 
		em Portugal. 
		 43 - Essa distinção premiou 
		o labor deste diplomata muito ligado (não apenas emocionalmente) a José 
		Aparecido de Oliveira. Embora Lauro Moreira não o reconheça, pois coloca 
		a questão mais do ponto de vista pessoal do relacionamento de Aparecido 
		com algumas personalidades da nova administração brasileira, a distinção 
		revelou que o Brasil, sob a presidência de Lula da Silva, decidira 
		finalmente colocar a CPLP entre as suas prioridades, reconhecendo a 
		razão que assistia a Santos Neves quando, num momento anterior, 
		denunciara que as elites brasileiras ainda não tinham compreendido que 
		não haveria Lusofonia sem o Brasil, mas que, sem a Lusofonia, o Brasil 
		continuaria a ser o eterno país do futuro adiado. 
		 44 - Aliás, esta alteração 
		não foi apenas do lado brasileiro, pois vários outros países, 
		designadamente Portugal, a Guiné-Bissau e Timor-Leste também passariam a 
		contar com embaixadores permanentes junto da CPLP, situação preferível 
		àquela que se verificara na fase anterior em que as embaixadas cediam, 
		por sua iniciativa, os embaixadores, mas podiam a qualquer momento 
		exigir o seu regresso. 45 - Aliás, nesse período, o reduzido número 
		de embaixadores junto da CPLP fazia com que cada um deles tivesse de 
		assessorar várias áreas, acabando por não se especializar em nenhuma 
		delas. Como o povo se encarregou de proverbiar, eram “pau para toda a 
		obra”. 
		 46 - Voltando às nomeações 
		de embaixadores permanentes, convirá frisar que entre a nomeação de 
		Lauro Moreira, ocorrida em Julho de 2006, e a segunda indigitação, a de 
		Apolinário Mendes de Carvalho feita pela Guiné-Bissau em Outubro de 
		2007, passou mais de um ano. Este elemento volta a apontar para a forma 
		pouco homogénea como os vários membros continuavam a ver a comunidade, 
		até porque não parece verosímil que no conjunto dos países da CPLP fosse 
		a Guiné-Bissau aquele que dispõe do segundo corpo diplomático mais 
		numeroso. 
		 47 - Parece, igualmente, 
		digno de registo o facto de estas indigitações terem ocorrido durante o 
		mandato de Luís Fonseca como Secretário-Executivo, pois se “o hábito não 
		faz o monge”, não é menos verdade que quando Cabo Verde indicou para o 
		cargo um dos seus embaixadores mais conceituados, ajudou a criar 
		condições para acabar com a ‘vida habitual’, isto é, com o marasmo que 
		se estava a instalar na comunidade. É que Luís Fonseca, tal como Geraldo 
		Vandré, defende a ideia que “quem sabe faz a hora, não espera 
		acontecer”. 
		 48 - Certamente que uma das 
		últimas alegrias de Aparecido de Oliveira (apesar da doença severa, 
		sempre acendia um brilho no olhar quando se falava da CPLP) foi a visita 
		que Luís Fonseca e Lauro Moreira fizeram a sua casa para lhe dar conta 
		dos novos caminhos que a comunidade se propunha trilhar. 
		 4. Afirmação proferida em 
		entrevista concedida ao autor. Vide Pinto 2005: 678. 
		 49 - Afinal, era o reassumir 
		de uma ideia que fora sua, embora a modéstia o levasse a recusar 
		protagonismos para os quais não se considerava fadado. Para ele havia 
		figuras muito mais importantes, como “Agostinho da Silva e Darcy Ribeiro 
		[que] iluminaram o caminho”4. 
		 50 - Porém, as vontades 
		individuais já se vinham manifestando desde há vários anos, como se 
		comprova pelas contribuições voluntárias feitas por alguns 
		Estados-membros e destinadas ao funcionamento do Instituto Internacional 
		da Língua Portuguesa. Nesse âmbito, o contributo tem recaído sobretudo 
		em Angola, Portugal e no Brasil, situação que encontra justificação nas 
		realidades económicas dos vários membros e que não parece merecer 
		algumas reservas feitas pelos analistas. 
		 51 - Ainda no que às 
		iniciativas individuais de cada Estado-membro diz respeito, não pode 
		deixar de ser mencionada a decisão de Cabo Verde de inscrever na sua 
		Constituição o estatuto de cidadão lusófono. No entanto, o exemplo não 
		frutificou e a semente parece ter-se perdido, pois os políticos e os 
		juristas dos oito Estados-membros ainda não conseguiram montar o 
		Estatuto de Cidadão da CPLP. 
		 52 - Por isso, incomodado 
		com esta morosidade voluntária, Santos Neves [2007: 3] deu largas ao seu 
		descontentamento servindo-se das palavras de Cícero nas Catilinárias 
		“até quando continuarão os Estados de Língua Portuguesa e respectivas 
		burocracias a abusar da nossa paciência lusófona?”. Infelizmente, a 
		pergunta ainda não teve resposta. 
		 5. De uma comunidade de 
		países a uma comunidade de povos 
		 53 - Indicadas as 
		características mais relevantes que têm marcado a vida da CPLP, importa, 
		agora traçar um estudo prospectivo da comunidade, de forma a acautelar 
		esse futuro, ou seja, como forma de dar cumprimento à Lusofonia que 
		interessa. 
		 54 - Ora, a primeira 
		constatação a fazer prende-se com a necessidade da CPLP (provavelmente 
		através do IILP) investir mais na promoção da língua portuguesa ao nível 
		das organizações internacionais, como língua de trabalho ou, 
		preferencialmente, como língua oficial. Além disso, urge implementar uma 
		política de ensino da língua portuguesa fora dos países da CPLP, 
		designadamente nos países onde as diásporas lusófonas detêm uma presença 
		significativa, ou onde camadas da população se sintam atraídas pela 
		aprendizagem da língua de Camões, de Craveirinha, de Viriato da Cruz, de 
		Jorge Amado, de Baltazar Lopes… 
		 55 - Desta promoção da 
		língua portuguesa deverá fazer parte uma estratégia lusófona que permita 
		ao Brasil, aquando da inevitável reformulação do Conselho de Segurança 
		da ONU, um lugar como membro permanente. Se esse desiderato for 
		alcançado, o português tornar-se-á língua oficial da Organização das 
		Nações Unidas. 
		 56 - De facto, convém não 
		esquecer que o grupo designado por “Coffee Club”, formado pela Itália, 
		Coreia do Sul, Argentina e Paquistão, pretende unir esforços no sentido 
		de impedir que os respectivos vizinhos entrem para o Conselho de 
		Segurança, situação que, no caso do Brasil, ainda assume mais gravidade 
		conhecida que é a pouca vontade mexicana para que a potência emergente 
		lusófona assuma um lugar de destaque na comunidade internacional. 
		 57 - Uma outra constatação 
		tem a ver com uma questão que se arrasta desde os primórdios da CPLP. De 
		facto, como a própria designação explicita, trata-se de uma comunidade 
		de países e não de povos, factor que impossibilita a adesão de regiões 
		com grandes afinidades com a cultura lusófona, mas com vínculo político 
		a outros Estados, como são os casos da Galiza (a mãe da Lusofonia), de 
		Macau, de Malaca, de Goa e de Casamansa. 
		 58 - Aliás, Fernando 
		Cristóvão, o criador dos “três círculos da lusofonia”, reconhece a 
		importância dessas regiões ao englobá-las, juntamente com os oito 
		Estados-membros da CPLP, no primeiro círculo ou no núcleo da Lusofonia. 
		Por isso, há que ter em conta as palavras do Presidente das Irmandades 
		da Fala da Galiza e de Portugal, José Fontelo, quando não enjeita a 
		responsabilidade de ajudar a “manter uma Lusofonia europeia coesa, de 
		20-25 milhões de galego-portugueses, sem esquecer os contingentes 
		migratórios nossos que pelas Europas andam, além de outras partes do 
		mundo” [Fontelo 2000:134]. 
		 59 - Uma última constatação 
		tem a ver com o facto de os estatutos, no artigo 6º, preverem que “para 
		além dos membros fundadores, qualquer Estado, desde que use o Português 
		como língua oficial, poderá tornar-se membro da CPLP, mediante a adesão 
		sem reservas aos presentes Estatutos”, desde que a aprovação dessa 
		adesão seja “por decisão unânime da Conferência de Chefes de Estado e de 
		Governo”. Esta disposição estatutária poderá vir a tornar-se perigosa 
		para a comunidade. 
		 60 - De facto, a Guiné 
		Equatorial, um dos países interessados em tornar-se membro de pleno 
		direito da CPLP, já instituiu o português como mais uma das suas línguas 
		oficiais (as outras são o espanhol e o francês) e, por isso, deseja que 
		esse estatuto lhe seja concedido. 
		 61 - No caso de merecer a 
		aprovação unânime dos Estados-membros, este pedido de adesão poderá vir 
		a traduzir-se num problema para a CPLP, uma vez que o relatório de 2010 
		da Fundação Mo Ibrahim, relativo à boa governação (um índice que resulta 
		do estudo de 88 variáveis) coloca a Guiné Equatorial na 46ª posição 
		entre os 53 países africanos, com um índice de apenas 34,7 e com o 
		“pormaior” de nenhuma das rubricas consideradas ter obtido classificação 
		positiva. 
		 62 - Na verdade, em África, 
		a Guiné Equatorial detém a penúltima posição no que concerne à 
		participação e direitos humanos com apenas 19,1; a 42ª tanto no que diz 
		respeito à oportunidade económica sustentável como ao desenvolvimento 
		humano, com 34,9 e 39,1, respectivamente; e a 41ª posição relativamente 
		à segurança e primazia da lei, com 45,7. 
		 63 - Como os estatutos da 
		CPLP, na alínea b) do número 1 do artigo 5º, estipulam a “não ingerência 
		nos assuntos internos de cada Estado”, a comunidade não poderá a 
		posteriori vir a exigir à Guiné Equatorial que proceda às reformas 
		necessárias, visando alcançar a democracia 
		 64 - Assim sendo, a 
		Conferência de Chefes de Estado e de Governo deverá ter muita atenção no 
		que concerne não apenas a esta, mas a futuras solicitações de adesão, 
		sendo certo que este cuidado não se destina a fazer da comunidade um 
		compartimento-estanque (situação altamente condenável por parte de uma 
		Lusofonia que se pretende ecuménica), mas sim a não delapidar a imagem 
		da comunidade. 
		 65 - Aliás, os países da 
		CPLP que já dispõem de um índice de boa governação bom ou aceitável 
		terão de ter presentes as dificuldades que sobretudo dois dos membros da 
		comunidade ainda apresentam nesse âmbito. À guisa de conclusão 
		 66 - Terminada a exposição, 
		é tempo de saber qual o sentido da resposta encontrada para a questão 
		colocada na Introdução e que aqui se repete: 
		 67• A passagem da CPLP para 
		uma Comunidade Lusófona servirá os interesses da Lusofonia? 
		 68 - Os argumentos 
		apresentados, tanto no que concerne às dificuldades de afirmação da 
		CPLP, como no que diz respeito às alterações estatutárias que têm vindo 
		a ser postas em prática, numa conjuntura mundial tecida com malhas de 
		interdependência, apontam no sentido de uma resposta afirmativa. 
		 69 - Na verdade, a exemplo 
		do que se verificou relativamente à implementação do acordo ortográfico, 
		quando alguns portugueses renitentes tiveram de perceber que não eram 
		donos mas sim condóminos da língua (pois esta pertence a todos aqueles 
		que a usam), também parece chegado o momento de os oito Estados-membros 
		da CPLP perceberem que a Lusofonia não constitui um exclusivo ou um 
		monopólio seu. Aliás, o facto de a designação actual ser a de uma 
		Comunidade dos Países e não uma Comunidade de Países pode ser vista como 
		uma visão patrimonialista e um desejo excessivo de posse. 
		 70 - Assim sendo, impõe-se a 
		construção de uma Comunidade Lusófona onde haja lugar para países, mas 
		também para comunidades e regiões, ou seja, para os povos que se revêem 
		no passado, mas também (ou principalmente) no presente e no futuro da 
		cultura lusófona. 
		 71 - De facto, o Estatuto de 
		Observador Associado, apesar de constituir uma iniciativa meritória, 
		seguiu o modelo do Estatuto de Membro da CPLP, uma vez que apenas 
		contempla países. Este elemento circunscreve a ‘Lusofonia Oriental’ 
		apenas a Timor-Leste, desamparando as comunidades que continuam a 
		reclamar o reconhecimento da sua matriz lusófona. 
		 72 - Por isso, parece 
		aconselhável a alteração do critério, no sentido de reconhecer aos povos 
		e comunidades filiados na cultura lusófona ou que com ela mantêm 
		afinidades o direito de integrarem a Comunidade Lusófona. 
		 73 - Não será um processo 
		fácil, até porque alguns lusófonos parecem mais apostados em erguer 
		muros do que em construir pontes de entendimento. Mas é um processo 
		necessário, para que a Lusofonia atinja o patamar que, se houver vontade 
		política, estará ao seu alcance. 
		 74 - Como o povo 
		proverbializa: “Seja bem-vindo quem vier por bem!” 
		 Autor: José Filipe Pinto 
		    
		 CPLP: Paradoxo certo ou 
		futuro incerto? 
		 A nossa comunidade tem 
		muitas datas de nascimento, como o filho escondido de quem não se sabe a 
		história certa do aparecimento. Oficialmente, foi a 17 de Julho de 1996 
		que no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, se assinaram os documentos 
		constitutivos da mais nova Comunidade linguística. Mas para trás ficavam 
		versões várias de paternidade, portuguesas, brasileiras e também 
		africanas. Em qualquer uma das versões dá-se destaque ao papel que cada 
		parte jogou, numa animação pouco condizente com o arrastamento de todos 
		para que de facto se investisse nesta formação como coisa principal. 
		 2A - comunidade tem 
		estatutos, como se deve, que determinam que se trata de “um foro 
		multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da 
		concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus Membros”. 
		Estas premissas existenciais são importantes para melhor se entender o 
		que é e o que não é a CPLP. Um foro e normalmente uma ligação ténue, não 
		necessariamente institucionalizada de forma rígida. E um espaço que pode 
		servir para intercâmbios e trocas de opinião e de experiência, mas não 
		implica necessariamente uma dimensão política e regimental firme. 
		 3A - profundar a amizade é 
		algo um pouco mais emotivo que racional. Amizade entre países é uma 
		formulação diplomática desprovida de qualquer especificidade. É o que se 
		coloca em qualquer documento ou comunidade, até com países com os quais 
		se mantém um intercâmbio cada dez anos. No entanto, ao ser considerado 
		privilegiado, espera-se algo mais, que pode ser traduzido apenas num 
		desejo não corroborado com nenhum arranjo preconcebido. Nada nos 
		estatutos ou na postura da criação da CPLP deixa transparecer como 
		poderia ser lido tal hipotético desejo. 
		 4A - concertação 
		político-diplomática é algo técnico e preciso, que na realidade pode ser 
		feito por um grupo de países com interesses comuns. Parece ser certo que 
		a CPLP conseguiu essa concertação em momentos importantes para os seus 
		membros, embora também seja verdade que a descontinuidade geográfica da 
		Comunidade tem sido um factor mais centrípeto que centrífugo. 
		 5 - Esta é, pois, a 
		cooperação entre os membros. Por razões óbvias, ela tem de (e deve) ser 
		desequilibrada, no sentido em que os que têm mais devem apoiar os que 
		têm menos. No caso concreto da Comunidade, o índice de desenvolvimento 
		de Portugal e o tamanho do Brasil são factores de monta para que os dois 
		ofereçam muito mais que os demais reunidos. O veredicto nem sempre 
		mostrou essa certeza. 
		 6A - CPLP tem sido marcada 
		pelo mito fundador, como o são todas as instituições e países. 
		 7 - O Brasil carrega o peso 
		do seu desprezo aparente pela lusofonia, no momento crucial da sua 
		fundação como a suposta vertente privilegiada. Ninguém nega o papel 
		fundamental que algumas personalidades brasileiras (como o embaixador 
		Aparício de Oliveira ou os Presidentes Itamar Franco e José Sarney) 
		tiveram no cerimonial da constituição. Mas isso não chega e o Brasil 
		enquanto país ficou sempre a dever à Comunidade um empenho mais 
		profícuo, até bem recentemente, quando uma nova dinâmica surgiu com a 
		administração do Presidente Lula da Silva. A vocação Atlântica do Brasil 
		e o seu papel na emergência de um novo Sul ajudam a antever um novo 
		papel para a CPLP. 
		 8 - Portugal fica sempre 
		marcado pelas associações de que quer fazer da CPLP o que a 
		Grã-Bretanha, ou a França fizeram da Commonwealth ou da Francophonie. Em 
		ambos os casos a liderança do país europeu ancora é indisputável, mas o 
		mesmo é difícil de imaginar no espaço lusófono. A opinião pública 
		portuguesa revela à luz do dia aspirações que ficam encobertas em 
		negociações delicadas sobre protagonismos. Quer muitas vezes uma 
		política de língua imperial, uma margem de influência que irrita por se 
		tratar de uma lembrança do colonialismo tardio. 
		 9 - Os países africanos 
		membros da Comunidade também têm os seus sobressaltos de adolescência, 
		querendo afirmar-se quando é desnecessário e emprestando à Comunidade um 
		utilitarismo que esta não pode assumir por falta de meios equivalentes a 
		outras congéneres. Estes países ainda buscam as suas identidades e 
		pernoita na lusofonia a ideia de que ela pode contrapor a necessidade de 
		diferenciação do recém-independente. 
		 10 - Finalmente, o último 
		convidado da festa (Timor Leste) tem na sua liderança o desenho de 
		contradições entre a ligação mais estreita a uma Comunidade ainda mais 
		longínqua geograficamente e os imperativos pragmáticos da vizinhança. 
		11 - Poderão estes paradoxos ser resolvidos com amizade? Mesmo com 
		carradas de amizade, a realidade da descontinuidade acabará por impor-se 
		de forma dramática e sem hesitações. A não ser que se invista seriamente 
		num conjunto de factores que sejam de facto únicos. 
		 12 - A actual 
		interconectividade do mundo lembra-nos que cada vaga da globalização nos 
		aproxima mais, uns dos outros, e nos permite aceder a mais informação. 
		Sem uma ampla liberdade e aumento das oportunidades, não podemos 
		transformar esse desenvolvimento da informação em algo que melhore as 
		nossas vidas e nos dê maior felicidade. Admitindo que estamos a entrar 
		num patamar de maior conhecimento e individualidade, é natural que as 
		nossas ansiedades e certezas nos projectem para redutos de segurança 
		identitários. Cada vez mais esse desejo de encontrar referências comuns 
		se faz com formas novas de comunicação, muitas no domínio do virtual. 
		Uma língua e cultura com ambições globais, marcando-se num espaço com 
		descontinuidade geográfica, só podem sobreviver e crescer com o pleno 
		uso das novas linguagens e tecnologias. 
		 13 - A CPLP sente-se quando 
		um grupo de cidadãos de países lusófonos encontra pontos de referência 
		comuns. Não quando se organiza uma reunião formal de concertação 
		político-diplomática Para fortalecer a base do relacionamento, pode-se 
		traduzir amizade num conjunto de acções concretas A meu ver, é sobretudo 
		na área cultural e nas indústrias criativas que se abrem 
		potencialidades. Sem essa alavanca, a Comunidade não será muito 
		diferente de outros agrupamentos de que nos lembramos apenas ‘quando dá 
		jeito’. 
		 14 - As oportunidades e 
		perspectivas da CPLP são quase ponto obrigatório nas reuniões várias dos 
		órgãos da Comunidade. Mas o que poderá mudar o futuro comum é o 
		engajamento concreto na utilização dos veículos da língua que 
		possibilitem a sua sobrevivência. Os exemplos de anglicismos são a parte 
		mais evidente de um iceberg de contradições. O paradoxo interno que 
		demonstra o que a sociedade considera valorizante e aspira, querer ser 
		reconhecido por quem fala inglês, não o seu parceiro da Comunidade. É 
		uma batalha complexa, não específica ao nosso espaço, como demonstra a 
		constante polémica do excepcionalismo cultural francês. Mas, como esse 
		exemplo bem demonstra, a resposta está no desenvolvimento de capacidades 
		informáticas, na dinâmica das Academias responsáveis por acordos 
		ortográficos, no investimento forte nos intercâmbios culturais, na 
		formatação de referências criativas ligadas às novas tecnologias. 
		 15 - A esquizofrenia é uma 
		doença mental em que se perde o contacto com a realidade, vivendo-se num 
		mundo imaginário, com fragmentação da personalidade. É a doença mais 
		constrangedora porque se carrega pela vida inteira. À escala de um 
		grupo, ninguém se atreve a falar de comportamento esquizofrénico, é 
		demasiado pesado e negativo. Por isso mesmo, as instituições tentam 
		sempre assentar os seus pés (neste caso, as suas decisões) em algo 
		realizável e perene. O futuro da CPLP será aquele que assenta na 
		possível, não esquizofrénica, ambição dos seus membros. 
		 Autor: Carlos Lopes 
		  
		  
		
  
		Breve ensaio sobre lusofonia: 
		convergências e divergências 
		 Ao começar a estruturar este 
		texto tive em conta, talvez, dois aspectos. Um: que a lusofonia, tal 
		como a angolanidade (é um exemplo) ou a bantuofonia são conceitos 
		baseados em manifestações de sociabilidade. Acontece que, por razões que 
		por ora vamos adiar, o factor comunicação emergiu ultimamente a 
		propósito da criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 
		(CPLP). 2 - Há quem defenda, por seu lado, que estes conceitos se 
		relacionam com o carácter da nacionalidade dos indivíduos. No plano 
		geral, têm a ver igualmente com os seus provérbios, lendas e histórias 
		transmitidas de geração em geração. Há ainda que acrescentar uma 
		filosofia de vida característica de povos e suas origens. 
		 3 - As minhas notas sobre a 
		CPLP, algumas perdidas e outras resgatadas, foram publicadas ou lidas em 
		diferentes jornais de diferentes países. Confesso piamente que não sei 
		dizer como procederei desta vez para acrescentar mais qualquer coisa ao 
		convencimento do leitor. Não pretendo redigir um texto à guisa de 
		confessionário. 
		 4 - Mais do que a língua 
		portuguesa, essa organização tri-continental visou na sua génese criar 
		um mercado de transacções comerciais – em que Angola, dadas as suas 
		peculiaridades materiais, tidas como ainda por explorar em grande 
		medida, era, pois, um alvo a conquistar. 
		 5 - Isso levou a mim e a 
		outros observadores, a duvidarmos da real orientação da CPLP. Desde logo 
		porque o processo que conduziu à sua constituição em organização 
		propriamente dita começou inquinado: em alguns países, soube-se da sua 
		fundação às vésperas. Mas os governos, mais do que as sociedades civis 
		dos países membros, estavam com pressa. 
		 6 - Nascem ideias, morrem 
		ideólogos. A respeito da CPLP, advertimos por diversas vezes que a sua 
		raiz romântica não era razão suficiente para selar um pacto 
		inter-nações. Tem, ademais, contra si, a intangibilidade física, que 
		leva as pessoas a circularem e a comunicarem-se intensamente, 
		diariamente. 
		 7 - Todavia, os partidários 
		da globalização saltaram-nos em cima. A descontinuidade geográfica, 
		atacaram, é facilmente superável nos nossos dias pela velocidade de 
		comunicação proporcionada pelos modernos meios de comunicação e 
		relacionamento via Internet. Começa a partir daqui uma discussão 
		tecnológica, mas também humanista: que é o que, na verdade, está no 
		centro de toda a nossa argumentação? 
		 8 - A princípio, a CPLP era 
		para ser um pacto político que perseguia, afinal, interesses mercantis. 
		Na escala de valores assumida pela organização, a língua portuguesa 
		aparecia numa cotação em alta, a tal ponto que se tornou o próprio pilar 
		da sua fundação. 
		 9 - Mas se formos a ver a 
		fundo, tal não corresponde à realidade objectiva da maior parte dos 
		países membros: nenhum dos países, à excepção (ainda assim discutível) 
		do Brasil e de Portugal, têm a língua portuguesa como a língua primária 
		dos seus habitantes. 
		 10 - Vejamos o segundo 
		aspecto, como mencionei no início. A lusofonia ou a angolanidade ou a 
		moçambicanidade afere-se a partir da observação da prática de um 
		conjunto de manifestações de sociabilidade das pessoas: gostos similares 
		por comidas, o modo de prepará-las e o modo de consumi-las, por música, 
		suas letras e melodias, e a dança – quer sejam colectivas, quer sejam 
		individualizadas. 
		 11 - O costume de sunguinar 
		é tipicamente africano. Tem a ver com uma quietude crepuscular das 
		aldeias elevada a uma dimensão de lembranças e inquietações metafísicas, 
		que ocorrem não na mesma intensidade ou pelo menos na mesma relação com 
		a vida de um europeu. 
		 12 - É também como 
		antecipação de boas colheitas e comida farta: no outro ângulo, muito 
		interessante, está ligado ao ritual de iniciação sexual dos jovens. É no 
		súnguino que as conquistas começam a desenrolar-se. No fundo, uma 
		autorização tácita. 
		 13 - Todas essas 
		manifestações são subsidiárias do tipo físico ou comportamental do 
		indivíduo. Logo: um português não dançará a Njimba se não lha ensinarem 
		e um angolano, o Vira. Um conhecido escritor angolano costuma repetir 
		que não consegue ficar lá fora mais de três dias: tem que voltar, para 
		“recarregar-se” com uma boa funjada. 
		 14 - Digo, a terminar, que o 
		“capote” da lusofonia não pode servir para suprimir a diversidade étnica 
		e linguística dos países de língua oficial portuguesa. Ou seja: a 
		individualidade da personalidade de cada um não pode ser abolida. Noutro 
		texto já defendi (e relembro aqui) a paridade entre o português e as 
		línguas nacionais de todos. 
		 Kajim Ban-Gala 
		  
		  
		Perguntas e Respostas: 
		«Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP» 
		13-01-2022 
		 O «Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP» foi 
		aprovado na XXVI Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos 
		Países de Língua Portuguesa (CPLP), decorrida, em Luanda, Angola, no dia 
		16 de julho de 2021.
  O Acordo entrou em vigor no dia 1 de janeiro 
		de 2022 nos Estados que entregaram os respetivos instrumentos de 
		ratificação no Secretariado Executivo da CPLP, nomeadamente, Cabo Verde, 
		São Tomé e Príncipe, Portugal e Guiné-Bissau. Em janeiro de 2022, o 
		Secretariado Executivo recebeu o depósito do instrumento de ratificação 
		de Moçambique, sendo que entrará em vigor no dia 1 de fevereiro de 2022.
  
		O Secretariado Executivo da CPLP congratula-se com a rapidez verificada 
		no processo interno de ratificação em cada um destes Estados-Membros e, 
		face a diversos pedidos de esclarecimento recebidos, apresenta respostas 
		às seguintes perguntas frequentes: 
		 1 - O que prevê o Acordo sobre a Mobilidade? 
  O Acordo sobre 
		a Mobilidade é um Acordo-quadro que estabelece a base legal sobre a qual 
		se construirá uma maior mobilidade e circulação no espaço da CPLP. Os 
		Estados-Parte passam a poder celebrar acordos adicionais em matéria de 
		mobilidade, tendo a liberdade de escolher as modalidades de mobilidade 
		que pretendem aplicar (Estada de Curta Duração CPLP; Estada Temporária 
		CPLP; Visto de Residência CPLP e Residência CPLP); o grupo de 
		beneficiários; assim como os outros Estados-Parte com quem pretendem 
		estabelecer a parceria.
  2 - Que países já notificaram a CPLP da 
		respetiva ratificação do Acordo? 
  Até 31 de dezembro de 2021, 
		deram entrada no Secretariado Executivo da CPLP os instrumentos de 
		ratificação de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Portugal e Guiné-Bissau. 
		Em janeiro de 2022, já deu entrada no Secretariado Executivo o depósito 
		do instrumento de ratificação de Moçambique.
  3 - Qual a data de 
		entrada em vigor do Acordo? 
		
  A entrada em vigor do Acordo ocorreu no dia 01 de janeiro de 
		2022, mas apenas para os quatro Estados indicados na resposta anterior 
		(i.e., os Estados-Parte). Para os restantes Estados, a entrada em vigor 
		ocorrerá após o depósito dos respetivos instrumentos de ratificação no 
		Secretariado Executivo da CPLP. 
  4 - Qual o efeito da entrada em 
		vigor nos Estados? 
		
  A partir de 01 de janeiro de 2022, os Estados-Parte começam a 
		implementar o Acordo, isto é, passam a poder estabelecer, entre si, as 
		parcerias referidas na resposta 1.
  5 - Quando é que os cidadãos 
		dos Estados-Membros poderão beneficiar das medidas previstas no Acordo?
  
		O objetivo do Acordo é aumentar a mobilidade para os cidadãos dos 
		Estados-Membros no espaço da CPLP. Contudo, o ritmo e a medida exata 
		deste aumento, para cada cidadão em concreto, dependerá da medida de 
		integração no Acordo do seu Estado de origem (i.e., da conclusão do 
		respetivo processo de ratificação) e, posteriormente, das parcerias que 
		o Estado de origem venha a estabelecer, no quadro do Acordo. 
		 De notar que, tal como referido na resposta 1, os Estados têm a 
		liberdade de decidir as categorias dos beneficiários (p. ex., agentes do 
		Estado, professores, estudantes, agentes culturais, entre outros); as 
		modalidades de mobilidade aplicáveis (p. ex., a isenção de vistos, entre 
		outras); assim como os Estados com quem pretendem celebrar a parceria 
		(p. ex., o Estado A decide estabelecer uma parceria com o Estado B).
  
		6 - Está prevista no Acordo a isenção de vistos (ou “livre circulação”) 
		entre os Estados da CPLP? 
  Sim, a isenção de vistos é uma das 
		modalidades previstas no Acordo. No entanto, a aplicação de tal 
		modalidade necessitará sempre de parcerias adicionais celebradas entre 
		os Estados-Parte, prevendo, em concreto, a isenção de vistos.
  7 - 
		Os compromissos internacionais sobre mobilidade em vigor nos 
		Estados-Membros, estão salvaguardados? 
  O Acordo reconhece e 
		salvaguarda os compromissos internacionais em matéria de mobilidade que 
		os Estados-Membros da CPLP assumiram no quadro da respetiva integração 
		regional. A mobilidade na CPLP será assim construída sem condicionar os 
		compromissos internacionais de que os Estados-Membros da CPLP sejam já 
		Partes. 
		  
		  
		Na ponta da língua: o que é 
		lusofonia? Etimologia e interpretações críticas Por GABRIEL 
		FERNANDINO | MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA (UFMG) E BACHAREL EM RELAÇÕES 
		INTERNACIONAIS (PUC MINAS) 24/09/20 
  A cada pergunta, no 
		mínimo duas respostas há: aquela breve, enxuta, outra mais ampla e, às 
		vezes, divagante. No que diz respeito à resposta curta, a palavra 
		“lusofonia” explica a si mesma. Trata-se de justaposição das entradas 
		“luso”, que do latim quer dizer “relativo a lusitano”, e “fonia”, essa 
		já vinda do grego, equivalente a “língua”. Trocando em miúdos, lusofonia 
		pode ser entendida como “qualidade daqueles que falam a língua dos 
		lusíadas”, lusos ou portugueses.
  Se a pulga atrás da orelha 
		pulou, fica o rodapé: Lusitânia foi o nome atribuído a uma província 
		ibérica, correspondente hoje à parte da Espanha e de Portugal.
  
		Assim como a palavra “lusíadas”, Lusitânia vem de “Lusus”, figura 
		legendária ligada a Baco e creditada como fundadora mitológica da 
		região.
  Desse literal boca-a-boca etimológico, viria inclusive o 
		título da magistral obra de poesia épica escrita por Camões nos idos dos 
		séculos XVI, “Os Lusíadas”... percebem como já passamos à segunda forma 
		de responder uma pergunta, aquela mais ampla e que incorre na 
		possibilidade da perda do fio da meada? Façamos, então, neste espaço 
		curto, alguns sobrevoos que poderiam ser longos.
  A lusofonia, 
		celebrada ao 5 de maio, é também entendida como uma comunidade de 9 
		países espalhados no globo cuja língua materna, administrativa ou 
		secundária é o português. Essa população esparsa de cerca de 280 milhões 
		de pessoas tem corpo institucional na Comunidade dos Países de Língua 
		Portuguesa, fundada em 1996 com o objetivo de aproximar os 
		estados-membros por meio da cooperação financeira e cultural. Por sinal, 
		sabia que a mencionada CPLP promove uma espécie de Jogos Olímpicos dos 
		falantes de português, os Jogos da Lusofonia? Se não, calma, assim como 
		ocorreu ao passar a saber quem foi Lusus, pouca coisa vai mudar em sua 
		vida.
  O que talvez mude, ou incomode pelo menos, é a 
		interpretação de intelectuais, como Adriano Freixo, quem defende que, 
		salvo para Portugal, a CPLP seria desprovida de sentido para os seus 
		membros. Para ele, a instituição teria sido originada nos interesses 
		específicos portugueses, com a busca de reinserção internacional no 
		cenário de pós-Guerra Fria por meio da aproximação às ex-colônias. 
		 Na mesma linha crítica, o português Boaventura de Sousa Santos 
		aponta que a CPLP está demasiadamente focada em Brasil e Portugal. Nem 
		tudo são flores ou mera etimologia, não é?
  Atalhando o escrito: 
		afinal, o que é Lusofonia? Bem, mais do que conceitos aqui entregues, 
		lusofonia parece não ser nem a resposta curta, nem aquela mais longa, 
		embora permeie ambas. Ao meu lusófono, parcial e amador ver, lusofonia 
		parece ser uma “vivência”, ou experiência, que articula tacitamente 
		distintas visões de mundo sob um mesmo nome que não comporta todas suas 
		particularidades. Falar em “trama de diferenças”, como afirmou Laura 
		Padilha, ou mesmo em “lusofonias”, aparenta ser o mais acertado; isso já 
		é, porém, o pontapé para uma discussão ampla... 
		  
		  
		Português é o melhor idioma para 
		a música? 
		Por Daniel Brazil 
		 
		O domínio da canção de língua inglesa em todos os cantos do mundo, 
		impulsionado pelo poder econômico e midiático dos EUA, faz muita gente 
		pensar que a econômica sintaxe anglo-saxônica é favorável ao formato 
		canção. Mas será mesmo? 
		Há línguas que soam mais ou 
		menos ásperas, guturais, flexíveis, duras ou melodiosas. A canção alemã, 
		por exemplo, nunca emplacou fora de suas fronteiras. A francesa teve um 
		período de popularidade, mas foi soterrada pelo rock britânico a partir 
		dos anos 60. A italiana, muitas vezes excessiva e melodramática, idem. E 
		a canção brasileira (leia-se bossa nova) sempre foi considera elegante e 
		elitizada, não se constituindo um sucesso popular em países europeus (Na 
		América do Sul é diferente, até pelo “poder econômico e midiático” 
		regional exercido pelo Brasil). Já o samba, mais empolgante, é visto 
		geralmente como trilha sonora de carnaval, algo folclórico e barulhento. 
		Ocasionalmente, alguns gêneros 
		caem na moda, e fazem a festa no chamado Primeiro Mundo. Já foi a 
		lambada, agora é o forró. Um fã de música brasileira, Mose Hayward, 
		levantou uma interessante teoria em um artigo que está causando certo 
		debate na internet. Com o título “Porque o Português é o Melhor Idioma 
		Para a Música”, o autor elenca uma série de elementos que reforçam a sua 
		tese. Detalhe: ele é americano, estudou em Barcelona, conhece o Brasil e 
		fala várias línguas, inclusive a nossa. 
		Para Hayward, a língua 
		portuguesa tem uma quantidade enorme de sons vocálicos, que a deixam 
		mais fluida e melodiosa. O fato de muitas palavras terminarem com vogais 
		faz com que o(a) cantor(a) fique mais à vontade, podendo flexionar ou 
		modular a emissão de voz, alongando o som ad libitum. Para esse efeito 
		também colaboram os ditongos e tritongos, claro. 
		A quantidade limitada de 
		consoantes também ajuda. Citando a cantora francesa (de choro e samba) 
		Cléa Thomasset, ele detecta que usamos as consoantes de forma 
		percussiva, marcando o ritmo de forma mais expressiva. Vários sambas 
		sincopados seriam exemplos perfeitos, mas ele destaca Elis Regina 
		cantando Nega do Cabelo Duro (Ary Barroso) como corolário da tese. No 
		verso “qual é o pente que te penteia” as consoantes tamborilam como um 
		tamborim, cabendo a cada intérprete percutir a língua nos dentes com a 
		intensidade que achar conveniente. 
		Claro que o “ão” anasalado, com 
		sua quase exclusiva sonoridade portuguesa, não poderia faltar na 
		história. Tente fazer um gringo cantar “João Valentão é brigão, pra dar 
		bofetão, não presta atenção...” e você vai perceber a dificuldade da 
		coisa pra quem não cresceu familiarizado com este som. O vocábulo 
		“saudade” também contribui para a diferenciação, porque embora exista 
		sentimento semelhante em outras línguas, em nenhuma é tão cultuado e 
		cantado. Para Hayward, “a língua portuguesa tem um vocabulário e uma 
		atitude construída para celebrar essa ideia de saudade mais do que 
		qualquer outra.” 
		Embora não seja um especialista 
		da área, Mose Hayward arrisca pisar no terreno da linguística. Para ele, 
		o português não é uma língua tonal, ou seja, “as variações de tom não 
		geram mudança de significado nas palavras”. Isso deixa o compositor mais 
		livre, certo de que mudanças de entonação não alterarão o significado da 
		letra. 
		Será? Podemos encontra vários exemplos de palavras usadas em tom de 
		ironia, na música brasileira. Noel Rosa já percebia isso, no início do 
		século XX. Tente imaginar um Vicente Celestino, sério e compenetrado, 
		cantando “baleiro, jornaleiro, motorneiro, condutor e passageiro, 
		prestamista e vigarista, e o bonde que parece uma carroça, coisa nossa, 
		muito nossa”. A intenção explícita de Noel é jocosa, ao mesmo tempo em 
		que faz uma crítica ao ufanismo oco. Até “passageiro”, a descrição pode 
		ser realista e até afetiva. A partir de prestamista, a mudança de tom é 
		total. É curioso que muitos intérpretes não fazem essa diferenciação, 
		cantando tudo do mesmo jeito. Desta forma, predomina o tom gaiato do 
		samba, e é provável que o autor tenha desejado isso mesmo. 
		Hayward curte a palavra 
		gostosa/gostoso. Para ele, esta é inequívoca, nunca é usada ironicamente 
		na canção luso-brasileira. Podemos lhe atribuir vários significados, mas 
		é sempre algo bom, desejável, desfrutável, saboroso, bonito ou sensual. 
		Isso também é positivo na hora de construir as canções, de explicitar 
		sentimentos. Quando falamos numa “bela bagunça”, isso pode ser dito (ou 
		cantado) de duas formas: uma boa bagunça ou uma bagunça terrível, 
		horrorosa, como o quarto de teu filho. Mas quando pensamos em “bagunça 
		gostosa”, é impossível detectar um traço negativo. Já havia pensado 
		nisso? 
		 
		O autor conclui atribuindo certa responsabilidade ao contexto geográfico 
		da língua portuguesa, com suas ramificações em três continentes (Europa, 
		África e América do Sul), que se influenciam mutuamente. Tese 
		recorrente, mas discutível. Afinal, o inglês é falado em praticamente 
		todos os continentes, mas não se torna mais permeável por conta disso. 
		Por outro lado, a contribuição da cultura negra é visível, tanto aqui 
		quanto nos EUA. Talvez seja por isso que nas work songs dos negros nos 
		algodoais do Mississipi as consoantes eram frequentemente engolidas, 
		tornando as letras mais maleáveis...
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